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Wagner "desaparecida em combate" perante apelos a intervenção externa em Cabo Delgado

Wagner "desaparecida em combate" perante apelos a intervenção externa em Cabo Delgado

 

 

Um pedido recente de apoio de Moçambique à União Europeia para treinar forças especializadas e fornecer logística para combater a guerrilha de inspiração islâmica em Cabo Delgado sugere que o grupo paramilitar russo Wagner já não opera no país. Todavia, não é claro que a Wagner, contratada pelo Governo para ajudar a combater a insurgência, tenha deixado deixado o país, segundo um novo relatório do Center for Strategic & International Studies (CSIS) sobre forças militarizadas privadas russas.

A presença da Wagner em Moçambique, a partir de Setembro de 2019, decorreu na sequência da visita de Filipe Nyusi a Moscovo em Agosto do mesmo ano e durante a qual o Presidente moçambicano elogiou o papel da antecessora da Rússia, a URSS, no apoio a Moçambique. Motivos mais do que suficientes para Moscovo e Maputo serem parceiros de negócios. Moscovo decidiu então iniciar um modelo de cooperação “a um nível não oficial”, segundo referia em Julho a Jamestown Foundation, fornecendo segurança, incluindo serviços militares, em troca de uma participação nos sectores mais apetecidos da economia moçambicana. Em 2010 foram descobertas importantes bacias de gás natural em Cabo Delgado, colocando Moçambique entre os principais detentores de depósitos deste recurso e despertando a cobiça de empresas estrangeiras na sua exploração, incluindo a russa Rosneft.

Criada em 2014 por Yevgeny Prigozhin, um oligarca próximo de Putin, a Wagner é a principal empresa russa prestadora de serviços militares. Segundo o relatório do CSIS, desenvolve o treino dos seus efectivos, (algures entre 1.000 e 5.000, segundo o Saufan Center) em dois campos anexos à base da 10ª Brigada de Operações Especiais da GRU Spetsnaz, a agência russa de informações externas, em Mol’kino, na região russa de Krasnodar.

Segundo o CSIS, a norte da base militar, a Wagner tem instalações separadas, construídas entre 2015 e 2016, com uma área aproximada de 2.400 hectares, que incluem nove estruturas permanentes de dimensões variadas e uma unidade de lançamento de mísseis balísticos de pequeno alcance. Segundo o Saufan Center, as motivações da empresa são económicas e nacionalistas.

Já as do seu líder militar, Dmitriy Utkin, “são mais complexas”, diz a CSIS. Antigo membro das forças especiais russas, é alegadamente simpatizante de Hitler e da ideologia nazi, deu à empresa o nome do seu compositor preferido, Richard Wagner, e foi sancionado em 2017 pelas autoridades norte-americanas ao abrigo da Ordem Executiva 13.360, que penaliza pessoas ou entidades que tenham violado a soberania territorial da Ucrânia.

Embora autónoma, poucos duvidam de que a Wagner, como outras empresas russas semelhantes, mais não faz do que prosseguir interesses estratégicos da Rússia sem que Moscovo seja forçada a assumir as suas acções. Uma estratégia que passa por desafiar o poder dos Estados Unidos, aproveitando a retirada ou a diminuição da presença de Washington de vários teatros de operações internacionais, e expandir a sua própria influência nesses e noutros cenários.

Em 2014, a Ucrânia foi um dos primeiros locais em que esta solução foi implementada. Desde então, empresas militarizadas privadas russas marcaram presença em cerca de 30 países de quatro continentes, incluindo Sudão, República Centro Africana, Moçambique, Madagáscar, Venezuela, Líbia, Síria e mais recentemente na Bielorússia. Muitas vezes recrutados entre militares ou membros de serviços de segurança russos, os seus efectivos representam um risco político e económico menor para a Rússia, que não fica oficialmente comprometida com os seus resultados, sobretudo se forem negativos.

Além de combaterem a pedido de amigos de Moscovo, incluindo participação em operações clandestinas, como verdadeiros mercenários, recolhem informações, garantem segurança armada a empresas russas no estrangeiro e a instalações estratégicas dos Estados contratantes, prestam formação militar a exércitos e forças de segurança estrangeiros e disseminam propaganda russa entre as populações e os militares com quem contactam no estrangeiro. No caso da Wagner, além da proximidade física à GRU Spetsnaz, a analista Kimberly Marten, da Ponars Eurasia, com base em registos de comunicações telefónicas e online divulgados pelo site de investigação Bellingcat, referiu mesmo que é claro que é uma criação do Estado russo, do qual sempre foi um instrumento. 

A Jamestown Foundation identifica, porém, fraquezas nestas empresas. Uma é o confronto que têm muitas vezes com inimigos tecnologicamente superiores, “especialmente em terrenos adequados para guerra de guerrilha”, e altamente motivados, sempre sem o apoio do exército russo, como sucedeu na Síria ou na Líbia. Outra é a eventual falta de preparação dos seus efectivos, o que só se obtém com forças altamente especializadas, que se encontram nas GRU. Mas que terão sempre de operar a coberto de um estatuto semi-legal para que a Rússia possa “manter a vantagem da negação plausível”. Finalmente, as forças destas empresas carecem de prática de combate contra-insurreccional em ambientes tropicais e correm o risco de falharem as suas missões, como sucedeu em Cabo Delgado.

Pouco tempo depois de chegarem a Moçambique, em 2019, os militares da Wagner sofreram reveses às mãos dos radicais islâmicos em Cabo Delgado. Em Novembro, dizia o Jason Institute for Peace and Security Studies que 4 meses antes “vários empregados da Wagner foram capturados pelos rebeldes e decapitados à moda tradicional do Islão”. As derrotas da Wagner continuaram e os seus homens recuaram para Nacala. Segundo o CSIS, apesar de colocar mais homens e material no terreno, a Wagner foi substituída em Abril pelo Dyck Advisory Group, uma empresa semelhante sul-africana. Em pouco tempo também eles perderam helicópteros. Há igualmente relatos de quezílias da Wagner com as tropas regulares moçambicanas, que os encararam como concorrentes nas receitas do contrabando, e com as quais tiveram dificuldades de coordenação militar no combate ao inimigo comum. Bem como de uma proposta de parceria com o mercenário norte-americano Erik Prince, que Moscovo não terá avalizado. E de que em Março a Wagner já estaria fora do país.

O falhanço da experiência da Wagner em Moçambique, segundo alguns analistas, revela as limitações desta abordagem por parte de Estados que insistem em recorrer a empresas militarizadas privadas para resolver os seus problemas internos. Apesar das vantagens da negação plausível e do reforço da capacidade militar a um custo acessível, o desconhecimento do terreno e a dificuldade de coordenação com as tropas locais sugerem a necessidade de uma solução diferente para enfrentar situações de insurgência. Que pode passar por uma coordenação de esforços ao nível regional no combate a movimentos de sublevação locais.(JA)


Nota: o autor não segue as regras do novo acordo ortográfico