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UCID: o terceiro partido de Cabo Verde nasceu para ser segundo e agora pode ser decisivo
Sem sondagens credíveis em Cabo Verde, só os militantes partidários parecem ter certezas de quem ganhará eleições de dia 20. Cada vez mais apontada pelos analistas é a possibilidade de nem PAICV nem MpD terem maioria absoluta. Nesse cenário, as atenções convergem para a União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID) – um partido que nasceu para ser o segundo, que acabou como terceiro, mas cujas aspirações vão mais além.
A UCID pode não chegar à vitória nas eleições de 20 de Março, mas a postura do seu líder é de apaziaguamento, sem revelar a hostilidade do MpD. E é muito possível imaginar que, a não haver maiorias absolutas, o PAICV e a UCID podem constituir um governo de consensos, porque, afinal são os dois movimentos políticos que atravessaram grande parte da História moderna do país, afirmando convergências e divergências.
A hostilidade entre PAICV e MpD, essa esteve bem patente no debate televisivo entre Janira Hopffer Almada e Ulisses Correia da Silva, dominado pelo anúncio do despedimento de 120 trabalhadores dos TACV, em plena pré-campanha eleitoral - uma “vergonha nacional”, disse o líder da oposição. Janira retorquiu acusando o MpD de ter quase vendido todo o país quando foi governo nos anos 1990. E disse que as receitas dos TACV iam para contas offshore. Ulisses respondeu exigindo provas.
Voltando à História, a UCID foi “traída” pelas circunstâncias: não conseguiu em 1991 a sua “merecida” vitória eleitoral contra o PAICV de então, simplesmente porque a sua direcção estava no estrangeiro e não teve possibilidades de legalizar o partido a tempo de concorrer. Quem beneficiou foi o MpD, um movimento político criado em 1990, com quadros superiores do Estado governado pelo PAICV e com o apoio da oposição da população que tinha seguido o percurso da UCID – que no dia certo não estava lá.
É a partir destes factos que se pode entender a ideia de António Delgado Monteiro, líder da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID), quando diz que o seu partido está a trabalhar para ganhar as eleições, apesar de ter apenas dois deputados, no actual parlamento. É necessário entender a História desta força política.
Na realidade, a oposição, primeiro ao PAIGC e depois ao PAICV foi iniciada pela UCID, constituída, fora do país, na Holanda, em Maio de 1978, tendo como principal motivação lutar contra a unidade entre Cabo Verde e a Guiné Bissau, que o PAIGC defendia desde os tempos da luta de libertação.
Foram, de resto, militantes do PAIGC que fundaram o movimento, cuja implementação no país se fez, sobretudo em S. Vicente e em Sto. Antão, aproveitando a contestação que as populações faziam contra a chamada reforma agrária, que o PAIGC queria levar a cabo. A 31 de Agosto de 1981, registaram-se confrontos e houve detenções de militantes anti-reforma agrária, alguns deles militantes da UCID.
Os dirigentes da UCID, todos a viver no exterior, levaram a cabo, nessa altura, na Europa e mesmo nos Estados Unidos algumas acções de denúncia das prisões arbitrárias e mesmo a prática de torturas. No seguimento dessas acções de protesto, Cabo Verde foi visitado pela Cruz Vermelha e pela Amnistia Internacional; delegações dessas organizações visitaram algumas prisões onde estavam detidas pessoas que se tinham levantado contra a reforma agrária.
António Monteiro aderiu, por esta altura ao partido. Ele próprio conta que, sendo electricista e estudante nocturno, um amigo aproveitava as horas a que ele estava nas aulas para fazer cortes no funcionamento da Empresa de Electricidade e Águas do Mindelo. E os militantes da UCID aproveitavam o escuro para pintar as paredes com palavras de ordem e lançar folhetos. Um dia, a polícia prendeu-o por 24 horas sem apontar nenhuma razão, certamente por desconfiar que seria ele o autor dos cortes.
A partir daí – conta – começou a simpatizar com a União Caboverdiana e aderiu como militante. Entretanto, teve uma bolsa e foi estudar para o exterior onde se licenciou em engenharia electromecânica, regressando ao país em finais de 1991.
Entretanto, a UCID, desde 1978, nunca deixou de afirmar as suas posições, denunciado o que, na sua perspectiva estava errado - quer através de comunicados e manifestos não assinados ou do jornal Terra Nova, patrocinado pela Igreja. Nos anos 1980, a UCID desenvolveu intensa actividade política e integrou mesmo a União dos Partidos Democratas Cristãos.
António Monteiro, acha que já muito se fez no país, mas que mais haverá para fazer. E percebe-se nas suas palavras que atribui méritos aos primeiros anos de governação do PAIGC; começou a falhar nos anos 1980 ao não permitir que as pessoas se expressassem livremente, afirma.
Mas em 1990, quando o PAICV abriu a possibilidade ao multipartidarismo, a UCID, cuja direcção vivia no exterior, não conseguiu instalar-se a tempo de colher os frutos da sua actividade política anterior, desde 1978. E o MpD, criado em 1990, por gente ligada ao aparelho de estado do PAICV, portanto com grandes facilidades de mobilidade, aproveitou o trabalho feito e mobilizou para as suas fileiras os opositores ao PAICV.
É preciso recordar que o MpD foi presidido por Carlos Veiga, que era deputado na Assembleia Nacional do PAICV, por Eurico Monteiro e muitos outros que eram quadros superiores do Estado.
Quando a UCID tentou recolher as assinaturas para se constituir como partido legalizado e, portanto, com capacidade de concorrer às eleições, o seu processo foi recusado pelo Supremo Tribunal, porque muitas das pessoas também tinham assinado pelo MpD. Já antes, o então presidente do partido, Lívio Silva, tinha tentado realizar um congresso extraordinário do em Portugal, mas não conseguiu a legitimação pretendida.
A UCID serviu, portanto, de trampolim para o MpD, que contabilizou a seu favor o descontentamento generalizado do povo, perante um PAICV emparedado, sobretudo pela não abertura da comunicação social. Tal como António Monteiro hoje reconhece: “o país não tinha recursos e muitos diziam que era inviável a contrução de um Estado nas Ilhas e Cabo Verde. Com a inteligência dos que tinham a disponibilidade de governar o país, lá se foram criando, paulatinamente, as condições que hoje nós temos”.