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União Africana: As tarefas da nova Comissão
Por Emmanuel de Oliveira Cortês, para Africamonitor.net
Moussa Faki Mahamat, o ministro das Relações Exteriores do Chade, saiu da cimeira da União Africana em Adis-Abeba, concluída na quarta-feira, como presidente da Comissão da UA. Além de todos os desafios de segurança e económicos que o continente enfrenta para alcançar o seu potencial, o sucessor da sul-africana Nkosazana Dlamini-Zuma terá de lidar com uma organização a precisar de reformas urgentes, com profundas divisões entre os seus membros. A entrada de Marrocos, nesta cimeira, e a polémica recomendação aos países-membros para que abandonem o Tribunal Penal Internacional, poderão até acentuar essas divisões.
Mahamat venceu depois de sete voltas de votação, em que teve como principal adversária a atual ministra de Negócios Estrangeiros do Quénia, Amina Mohamed, a favorita juntamente com o senegalês Abdoulaye Bathily. Pelo caminho, ficou o candidato “lusófono”, o MNE da Guiné Equatorial, Agapito Mba Mokuy.
Os chefes de Estado da UA decidiram reintegrar Marrocos, país que havia deixado a organização em 1984. Um total de 39 países (entre 54) votaram a favor do regresso marroquino, alargando a 55 o total de países membros. Uma má notícia para a Frente Polisário que luta pela auto-determinação do Saara Ocidental, e para a África do Sul, maior economia africana e opositora da entrada marroquina. O Congresso Nacional Africano, partido do presidente Jacob Zuma, foi rápido a lamentar a reentrada, apelidando a postura marroquina em relação ao Saara Ocidental de “colonialista”.
Em cima da mesa dos chefes de Estado esteve ainda o assunto da reforma da Comissão da UA, que é tida como “urgente”, depois de várias tentativas fracassadas. Críticos das estruturas da Comissão responsabilizam-na pela inércia burocrática que limita a eficácia e o impacto da organização. Uma tentativa anterior de reforma, há 10 anos, elaborada pelo presidente do Ruanda, Paul Kagame, e uma equipe de especialistas, ficou pelo caminho. Os obstáculos dentro da organização incluem o fato de que o presidente da Comissão não seleciona seus comissários, com consequências na coerência das políticas e a coordenação entre os vários atores.
O processo tem mais de uma década. Já em 2007, a Assembleia da UA nomeou um painel presidido pelo Professor Adebayo Adedeji, ex-Secretário Executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA), para auditar os vários órgãos da UA e propor recomendações. O painel fez então 172 recomendações para melhorar a eficácia da Comissão. A última tentativa de reformar a UA foi na 27ª cúpula, em Julho de 2016, quando os chefes de estado ordenaram a Kagame que elaborasse um relatório sobre o tema. Kagame nomeou uma comissão composta por personalidades eminentes e conhecidos especialistas.
No processo de reforma, “uma questão crítica será a divisão do trabalho entre a Comissão e as comunidades económicas regionais. Alguns analistas têm vindo a alertar para o facto de as estruturas da UA serem ambíguas e também contraditórias em relação ás comunidades e aos Estados-membros.
Tal como está, a organização parece querer lidar com todos os aspectos da política africana, desenvolvimento económico, paz e segurança. No entanto, na prática, a UA continua a ser uma organização de Chefes de Estado que guardam a sua soberania nestas áreas. Um processo de reforma deve priorizar a clarificação do posicionamento da UA em aspectos onde tais contradições existam. Isso levaria à clareza sobre o escopo da organização, que definirá sua estrutura institucional, através de um plano político claro.
Particularmente activa na cimeira de Adis Abeba esteve a diplomacia angolana, que assegurou a eleição da ex-secretária-Geral da Organização Inter-Africana do Café, angolana Josefa Sacko, para Comissária para a Economia Rural e Agricultura da União Africana. Pelo caminho ficou a candidatura de Tete António a Comissário para os Assuntos Políticos.
Durante a 28.ª cimeira, a União Africana apelou aos Estados-membros, numa decisão não vinculativa, à saída do Tribunal Penal Internacional, em descontentamento com o TPI, frequentemente acusado de perseguir cidadãos africanos. Em outubro do ano passado, a África do Sul, Gâmbia e Burundi anunciaram o abandono do TPI, enquanto a Namíbia e o Quénia também levantaram essa possibilidade.
O Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, já veio afirmar-se contra: "somos um Estado de direito democrático e pugnamos pela justiça internacional, mormente a pela justiça penal", disse Fonseca à Rádio de Cabo Verde (RCV).