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Davis Simango: Crise virou moçambicanos contra Frelimo

Davis Simango: Crise virou moçambicanos contra Frelimo


Dissidente da Renamo, Davis Simango, é filho de um histórico do movimento independentista moçambicano, o reverendo Uria Simango, executado pela Frelimo em 1977, no auge da revolução. Á frente do Movimento Democrático de Moçambique há quase uma década, afirma que a "crise da dívida" deixou a Frelimo desgastada, e criou um ambiente eleitoral propício a uma derrota do partido de Filipe Nyusi. Mas sublinha que a fraude eleitoral tem sido uma realidade no país. Em vésperas da Comissão Política do partido, em fevereiro, afirma que qualquer insatisfação no MDM em relação à estratégia prosseguida pela liderança deve ser discutida internamente. 

 

Africa Monitor (AM) - O MDM não participa nas negociações da Comissão Mista, incluindo no dossier da descentralização, e está politicamente marginalizado, mas não é de excluir que a Frelimo possa jogar essa carta mais para a frente e propor a inclusão do MDM. Como veria essa possibilidade?
DAVIS SIMANGO (DS) - É sabido o extremismo das partes e o protagonismo que procuram em relação à história do país - uns dizem serem libertadores e outros portadores da democracia. Só que ambos produzem e cultivam a exclusão, num protagonismo de que “sem nós nada fazes”, esquecendo-se de que a democracia e a construção duma sociedade predispõem a existência de partidos políticos decentes e não poderosos, a existência duma cidadania. Portanto qualquer proposta da integração da sociedade civil, do MDM e de outros actores deve ser vista como reposição de valores que norteiam um Estado de Direito de Facto. Mesmo assim, usando a nossa inteligência, conseguimos apresentar em sede da Comissão Mista a nossa proposta de revisão da Constituição da República, que foi acolhida pelas partes.

AM - Caso exista acordo e a Renamo venho mesmo a poder governar algumas das províncias, o MDM estaria disponível para viabilizar maioria de governação com a Renamo?
DS - Primeiro como partido político responsável, como partido que respeita os princípios de que o que é bom para estabilidade económica e política abre caminhos para produtividade e confiança aos investimentos, naturalmente estaríamos do lado certo dentro dum quadro constitucional e dentro dum acordo fidedigno de paz efectiva, e com uma revisão constitucional que possa acomodar a eleição dos governadores provinciais a partir das eleições de 2019, atribuição de poderes a Assembleia Provincial de modo que possa fiscalizar o governo provincial e aprovar o respectivo orçamento e plano de actividades, a descentralização efectiva, a redução dos poderes em torno da figura do chefe do Estado, a liberdade administrativa e financeira da magistratura, a transformação do Conselho Constitucional e Tribunal Constitucional, a criação do Tribunal de Contas, e a integração do STAE na CNE. Qualquer atribuição a governação como me pergunta, sem resolver os aspectos que aqui mencionei, e estaremos a amputar a democracia e a adiar o problema. Queremos atacar o problema de frente.

AM - Como vê a situação de segurança em Moçambique? Considera a actual trégua genuína ou os conflitos continuam?
DS - Não se pode viver de tréguas, temos que viver de paz. Eu como religioso não quero viver maritalmente com a mulher que eu amo mas sim quero viver casado até que a vida nos separe. A vida vivida em trégua nunca oferece segurança seja a quem for, desde uma criança, um cidadão comum, agentes económicos, até aos próprios políticos. Por isso, enquanto não atacarmos o essencial que produz os problemas económicos e políticos, enquanto não nos libertarmos da democracia armada e de partidos armados, o país continuará a viver uma situação sombria.

AM - O papel da mediação internacional é para manter? Qual a posição do MDM - prefere solução interna, com mediação alargada, ou manter o actual modelo?
DS - A crise actual é a consequência do modo como os ex-beligerantes fazem a política, resultantes da má gestão e erros políticos, e como não há humildade, a arrogância assume o controlo, atraindo desta forma conflitos armados. Portanto, aí surge o papel crucial dos mediadores, a solução interna a dois não é de se aceitar. O país é nosso e os problemas que hoje vivemos nos dizem respeito, e o povo moçambicano deve com transparência viver e participar na solução desses problemas. Eu continuo a confiar na capacidade e na qualidade, bem como habilidades demonstrada pelos mediadores.

AM - O sistema financeiro de Moçambique encontra-se em crise profunda devido ao excesso de endividamento, agravado pelo incumprimento no pagamento das dívidas. Acredita que a responsabilidade política do Governo e presidente (anterior sobretudo) e a provável austeridade imposta pelo FMI no curto prazo irão penalizar eleitoralmente a Frelimo?
DS - A Frelimo recorre às instituições por si teleguiadas para ganhar eleições, a fraude tem sido valor deste partido. A vir da própria Frelimo e da Assembleia da República, onde detêm a maioria, não se espera qualquer acto proactivo para a responsabilização. Por aquilo que se vive no dia-a-dia a credibilidade e a confiança do eleitorado não é suficiente para eles vencerem eleições.

AM - Neste contexto, qual a tábua de salvação da economia moçambicana? Gás natural? Que opções económicas defende para os próximos anos?
DS - Moçambique é um país rico. Temos reservas de gás, carvão, ouro, pedras semipreciosas. No entanto, temos que perceber que para que a riqueza seja produzida é preciso termos as políticas certas e sobretudo um Governo que esteja comprometido em que estas riquezas sejam de todos e não dos apenas dos seus dirigentes. A descoberta de recursos naturais tem sido uma fatalidade para muitos dos nossos países vizinhos africanos. Dirigentes tornam-se arrogantes, gananciosos e ambiciosos. Esse é o maior perigo para o nosso país. O MDM assistiu com tristeza ao renascer de violência no nosso país. Preocupa-nos que inocentes moçambicanos morrem vítimas de guerras dos que se dizem donos do país. Mas a ” maldição dos recursos “ que muitos países sofrem não tem que ser o nosso destino. Com o MDM os recursos naturais serão a recompensa para um povo que sofreu anos de guerra, anos de fome, anos de luta. Os recursos devem ser geridos de uma forma transparente. Sem meias verdades.

AM - O presidente Nyusi começou por ser visto por alguns como um renovador capaz de mudar o partido que lidera e o Estado através das mensagens que foi passando. Decorrido este tempo, qual é o balanço que faz do mandato presidencial?
DS - Não sei os que assim o definiam de facto conhecem bem a estrutura e modus operandi do partido. Eu não convivo o funcionamento do dia-a-dia do partido Frelimo, por isso não posso fazer juízo do que está por dentro deste partido, agora se me pergunta como o partido gere o país, diria Moçambique está na ordem de 117 dos 175 países a nível de corrupção, a dívida pública representa 127% do PIB, a corrupção representa um desvio na ordem quinhentos milhões de dólares americanos, estamos perante um Estado frágil.

AM - Têm surgido notícias sobre algum descontentamento interno no MDM. Alguns - caso do Edil de Quelimane, Manuel Araújo, defendem que o partido deveria sair para a rua e ser mais activo. As críticas internas poderão ter consequências negativas sobre a afirmação e crescimento do MDM - que tem ficado abaixo das expectativas de alguns observadores?
DS - Ele é edil de Quelimane sim mas nunca vi a edilidade a sair à rua ou algum indeferimento neste sentido (...). Eu pessoalmente que tenho tido oportunidade de participar com ele em certos órgãos do partido nunca pelo menos em círculos destes se pronunciou nestes termos por isso não vou comentar conversa de rua porque ele caso o tenha dito o teria feito dentro dos órgãos do partido, por outro lado não sei se sair à rua caso essa seja a sua preocupação significaria crescimento do partido. Em Moçambique existem vários partidos de toda espécie, até uns saíram à rua e alguns até existem antes do MDM, onde estão em termos de representação de poder. Nós quebramos a bipolarização, somos o único partido de oposição que governa territórios, eu sei o que é liderar uma manifestação, sei quando e em que momento liderar uma manifestação, muitos hoje estão no MDM porque liderei uma manifestação e com sucesso por isso estamos a falar do MDM. É preciso olhar para esta democracia armada, olhar para o medo das armas que o povo tem e que implicações tem no eleitorado. Estes que querem passar por observadores - se é que existem… a sociedade civil já tentou estar no diálogo não conseguiu. Marchou, manifestou, deu prazos, e não conseguiu estar e nem se calaram as armas, os raptos e assassinatos em plenas avenidas da capital continuam. Qual é a opinião desses observadores em relação à sociedade civil que saiu a rua, eu gostaria de saber. Este mesmo pensamento alguns foram movimentando populações com manifestações e de que se iriam governar à força até Março de 2014, e não vi até hoje, janeiro de 2017. Essa forma de influenciar e estar na sombra, empurrou nossos compatriotas às matas com ideias de que tomariam o território num mês, resultando em destruições e transformações de áreas agrícolas em cemitérios. Portanto é importante que para cada acção haja uma reação para resultados.