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Rafael Marques é personalidade do ano 2013
Foi um ano agitado para os países da comunidade lusófona, mas, para a Lusomonitor, a escolha foi bastante fácil: o jornalista e ativista pró-transparência Rafael Marques de Morais foi a personalidade mais marcante do ano de 2013, pela enorme influência que demonstrou ter nas questões angolanas, dentro e fora do país.
Os processos judiciais movidos por Rafael Marques a figuras do regime angolano em Portugal colocaram em causa, em última instância, as bases das relações entre Portugal e Angola. Mas, na opinião dos jornalistas e consultores da Lusomonitor, este questionamento pode ser clarificador.
Cada vez mais, as relações entre Portugal e Angola – ou pelo menos aquelas que contam – são as de negócios. Por isso, as personalidades que mais espaço ocupa nas páginas dos jornais são aquelas que estão na linha das frente dos mesmos. Acima de todos, Isabel dos Santos, cujo peso na economia portuguesa já anda a par do de figuras de sempre como Belmiro de Azevedo ou Américo Amorim. Em 2013, destacaram-se outras figuras angolanas nos negócios, como António Mosquito, que à construção juntou a comunicação social, com a entrada no capital da Controlinveste, que lhe dá mais poder, influência e prestígio.
Mas a nossa escolha por Rafael Marques decorre exatamente daí. Quer dizer, ou lembrar, que há mais vida para além dos negócios. Que os euros, kwanzas ou dólares são hoje muito importantes, mas que não só a isso se devem resumir os laços entre povos que se conhecem há séculos e que até há algumas décadas faziam parte da mesma nação.
O trabalho de Rafael Marques lembra-nos exatamente que, se queremos ser uma comunidade, há valores que temos de partilhar. Se queremos ser uma comunidade digna, um desses valores a partilhar é o da honestidade. Outro que tem de estar sempre presente é o da partilha.
Que de façam negócios sim – muitos e cada vez mais. Mas que eles sejam feitos com transparência, por cima da mesa, e com dinheiro de proveniência conhecida. E que a riqueza gerada seja partilhada por aqueles que mais precisam. E são tantos, em países como Angola!
Num Portugal em profunda crise económica, e também moral em muitos casos, oss processos judiciais, e a forma expedita como acabou resolvido depois do “bater de pé” de José Eduardo dos Santos no discurso do Estado da Nação – ameaçando não avançar com a parceria estratégica entre os dois países – faz refletir sobre o estado de subserviência que é associado hoje ao país.
Uma voz incómoda, mas respeitada
Considerado inteligente, com dotes de analista político e coragem invulgar, Rafael Marques adquiriu notoriedade pública, interna e externa, como activista de causas como defesa dos direitos humanos e denúncia da corrupção em Angola.
Em Angola, é provavelmente odiado no chamado círculo presidencial. Os seus detractores dizem que está ao serviço de obscuros interesses estrangeiros, sendo aos EUA e George Soros que é mais frequentemente associado, num discurso tradicionalmente usado pelo regime para atacar os seus adversários.
Por outro lado, a sua acção cívica e política é discretamente apreciada por indivíduos e grupos do regime que têm contas a ajustar com o círculo presidencial. É respeitado ou, pelo menos, apreciado, na chamada sociedade civil angolana, em geral. Mantém ligações pessoais, até políticas, com intelectuais conotados com a oposição e com os próprios partidos da oposição.
O último caso grave que revelou foi o da negociação da dívida à Rússia, estando apoiado em abalizados elementos de prova. As denúncias têm geralmente repercussão externa e também nesse aspecto o seu contributo no combate à corrupção tem sido importante.
Processos judiciais vão continuar a correr
As autoridades portuguesas abriram um inquérito em que foram investigadas transacções financeiras levadas a cabo pelo vice-presidente Manuel Vicente e várias outras figuras do regime, com base nas denúncias de Rafael Marques e nas de um ex-embaixador daquele país. Segundo estas, empresas portuguesas estariam a ser usadas por altos dirigentes angolanos para lavar dinheiro. O processo acabou arquivado pela Procuradoria-Geral da República portuguesa.
A insistência dos advogados dos visados, junto do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, para que a investigação terminasse, baseou-se em argumentos como o cargo desempenhado por Manuel Vicente, que deveria dar-lhe direito a um tratamento diferenciado relativamente aos restantes suspeitos. Também evocaram “o importante papel de Angola na recuperação da economia lusa”, e ainda o prejuízo que as denúncias estavam a causar “na captação de investimentos angolanos em Portugal”.
O inquérito, em que figuravam também como suspeitos o governador da província de Kuando Kubango, Higino Lopes Carneiro, e ainda a empresa de telecomunicações Portmill , investigada por causa da origem do dinheiro com que comprou parte do BES Angola, acabou mesmo por ser arquivado em novembro. O procurador encarregue do caso disse, no despacho de arquivamento, que a autonomia do Ministério Público e a independência do poder judicial “não são sinónimos de insensibilidade política, económica ou social”. Dizia, porém, no mesmo documento, que se encontra ainda a decorrer “grande volume de perícias financeiras” sobre as transacções alvo de denúncia.
Rafael Marques respondeu pedindo a abertura da instrução do processo em que acusava o vice-presidente angolano e outras figuras do regime de branqueamento de capitais, e que foi recentemente arquivado pela Procuradoria-Geral da República portuguesa. "Há matéria indiciária para levar os suspeitos a julgamento e há matéria de direito que não foi respeitada", explicou o seu advogado, Duarte Teives, em declarações à Lusa.