Acesso Livre
Mário Soares na sua atenção a Angola
Conheci suficientemente bem Mário Soares para poder dizer, seguro do que digo, que ele teria gostado sobremaneira de ter ajudado a promover uma solução de paz que não só pusesse termo à guerra civil em Angola, como, a seguir, desse lugar a um ambiente de sólida e duradoura reconciliação e concórdia entre os angolanos. Não para seu engrandecimento político ou por mera vaidade pessoal, como se chegou a insinuar, mas porque vivia e sentia penosamente a medonha tragédia em que Angola havia mergulhado, de caminho com a mal sucedida descolonização do território.
Nas várias conversas que travamos, sempre a seu chamamento, nunca disse ou deixou escapar algo que me capacitasse a concluir que a sua vontade de ajudar Angola a livrar-se da guerra civil e a enveredar por um destino mais promissor, correspondia também a uma espécie de “secreto desejo” de com isso redimir Portugal das suas graves responsabilidade na má sorte de Angola. Mas a partir de certa altura das nossas conversas comecei a intuir isso. Só a intuir.
Mário Soares, o Primeiro-Ministro e o Presidente e, depois à frente da sua Fundação, onde conversamos pela última vez, interessava-se especialmente pelos países africanos lusófonos. Era esse interesse que o levava a mandar-me chamar, decerto vendo em mim alguém que pelo seus modestos saberes, advindos da sua vida profissional, o podia ajudar a reflectir sobre os problemas que iam entrando e saindo da realidade dessas terras. Lembro-me da sua “teoria da montra”, que seria, no seu entender, uma maneira de numa determinada fase do pós-independências, promover uma intensa e profícua cooperação de Portugal com os países então mais propensos a isso, que eram Cabo Verde, a Guiné-Bissau e S. Tomé e Príncipe, para demonstrar aos menos propensos, Angola e Moçambique, que “pior para eles”.
Mas era a Angola que Mário Soares verdadeiramente prestava mais atenção, acompanhando de perto a evolução da situação, reflectindo sobre os problemas e predispondo-se a ajudar, se necessário fosse movendo influências internacionais de que dispunha. Os angolanos precisavam de pôr finalmente de encerrar desavenças e conflitos que haviam estalado entre eles. Achava, por exemplo, que a teoria do General Pedro Cardoso, segundo a qual um salutar entendimento entre o MPLA e a UNITA, como partidos conotados com as duas principais etnias de Angola, Kimbundus e Umbundus, ambas puramente endógenas, não transnacionais, seria a melhor condição para um ambiente de boa harmonia interna em Angola. O General foi um dos mais competentes estudiosos portugueses das grandes realidades africanas, em particular de Angola e da Guiné-Bissau.
O MPLA, ou correntes de pensamento do MPLA, como é mais próprio dizer, não gostavam de Mário Soares, manifestando tal sentimento por meio de palavras e gestos nalguns casos visando o próprio, mas mais a família, em especial o filho, João Soares, acusando todos de comprometimentos ou alinhamentos com a UNITA. Mário Soares, posso também eu aqui assegurar hoje, não favorecia a UNITA ou menosprezava o MPLA. Olhava com um espírito de equilíbrio e justiça para os problemas de Angola. Batia-se por uma genuína e equitativa reconciliação nacional, a única que poderia vingar– o que nunca coincidiu com o papel predestinado e hegemónico em que o MPLA, ou sectores do MPLA, para mal de Angola, sempre se julgaram investidos.