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Melo Antunes, um intelectual europeísta que assumiu por inteiro a condição militar
“Sólido europeísta”, Melo Antunes “foi sempre um intelectual que assumiu, na sua plenitude, a condição militar”. Esta é a visão de Jorge Sampaio, antigo Presidente da República português, sobre o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, frequentemente apelidado de terceiro-mundista.
O tenente-coronel Melo Antunes nasceu a 20 de Outubro de 1933, filho de um militar, que o levaria a seguir a sua carreira. Com uma sólida e multifacetada cultura, aderiu ao Movimento dos Capitães que desencadeou a Revolução do 25 de Abril que, entre outras repercussões, levou à independência das ex-colónias portuguesas.
Melo Antunes redigiu vários documentos políticos, sempre objecto de forte polémica, sendo o mais conhecido o “Documento dos Nove”. Foi, durante o Governo de Transição, várias vezes ministro, quer nos Executivos de Vasco Gonçalves, quer de Pinheiro de Azevedo. Faleceu em Sintra, em 1999.
Jorge Sampaio, que falou sobre Melo Antunes num salão com uma centena de ouvintes - entre eles, a filha de Melo Antunes e o núncio Apostólico - no Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa, foi seu secretário de Estado.
O terceiro Presidente da República eleito no pós-25 de Abril defendeu que “a figura de Melo Antunes permanece pouco conhecida” e disse ter aceite o convite para falar sobre ele, para “despertar o interesse pela sua vida e obra” e salientar alguns dos seus contributos para a transição em Portugal.
Relembrando a agitação e confusão desses dias revolucionários, Jorge Sampaio recordou que, às vezes, num só dia tinham que arrumar todos os papéis dos gabinetes, porque o Governo ia cair, e, em seguida re-arrumá-los, porque afinal o executivo se mantinha em funções.
Traçou um perfil de Melo Antunes como sendo um homem de profundas convicções pessoais à esquerda mas que tentou sempre agir com pragmatismo.
Referindo-se à sua cultura, lembrou como Melo Antunes gostava de música clássica, pintura, cinema, de jogar xadrez.
“Era um homem de silêncios abissais, racional mas de emoções fortes que, de vez em quando, explodiam”, recordou, comentando: “Bateu-se por um via autónoma do socialismo português”.
Salientando o facto de Portugal ter sido o único país que fez simultaneamente a descolonização e um processo revolucionário, Jorge Sampaio declara o seu “espanto”, quando se apercebe “da acção e do labor de Melo Antunes, no decurso do processo revolucionário”.
“Foi ideólogo e autor de quase todos os textos do processo de transição revolucionário”, sublinhou. Fez também “amizades sólidas e inimizades duradouras”.
Na altura, lembrou, havia duas correntes sobre o que deveria ser a descolonização: para uns havia que enveredar pelo federalismo, para outros pela independência.
Ao fazer-se um balanço das suas visitas ao estrangeiro, ressalta que mais de 50 por cento se dirigiram para países ocidentais e só um terço a países socialistas ou não-alinhados. Descolocou-se também à ONU e à União Europeia.
Sampaio pensa que Melo Antunes “foi falsamente acusado” de devaneios terceiro-mundistas.
Citou por várias vezes um texto de Melo Antunes, na “História de Portugal” de João Medina para opinar que o tenente-coronel defendia a necessidade de afirmação da condição europeia do seu país e o diálogo deste com o Terceiro Mundo.
“Sólido europeísta” achava ser essa a melhor opção “para garantir a equidistância dos dois blocos [liderados então pelos Estados Unidos e pela União Soviética]”
Para Jorge Sampaio, o papel de Melo Antunes como ideólogo da mudança foi “complexo” e ele foi “fazendo caminho, caminhando”.
Pragmático, Melo Antunes “nunca abriu mão das vantagens que descortinava nas relações com o Terceiro Mundo”.
Criou, pela primeira vez, a Secretaria de Estado da Cooperação.
“Foi indiscutivelmente um homem de qualidades raras, num momento único da nossa História”.
Para próxima conferência deste ciclo, a 4 de Junho, o Instituto Diplomático convidou o embaixador António Monteiro para falar de Durão Barroso, actual presidente da Comissão Europeia e que antes foi ministro dos Negócios Estrangeiros e primeiro-ministro de Portugal.