Africa Monitor

Acesso Livre

As FAA na Arquitectura de Segurança Africana

As FAA na Arquitectura de Segurança Africana

Por Eugénio Costa Almeida*
 

O livro “Angola in the African Peace and Security Architecture. The strategic role of the Angolan Armed Forces” (Editora Mercado das Letras) do académico e investigador português Luís Bernardino, apresentado em Luanda em 30 de março de 2019, documenta na língua inglesa - e por isso para o mundo - o processo de formação das Forças Armadas Angolanas (FAA). Apresenta-nos uma visão detalhada sobre o contributo actual de Angola para a Arquitectura de Paz e Segurança Africana (APSA) e o papel desempenhado na consolidação do Estado angolano.

Em África, a literatura na área da Segurança e Defesa ainda é relativamente escassa e, concretamente sobre Angola, este livro será mesmo o primeiro na língua inglesa que nos permite acompanhar um processo de formação e desenvolvimento das FAA. Não só porque estas resultaram de uma guerra de libertação, mas porque eram originárias de diferentes facções e ideologias politicas, com consequentes doutrinas e visões operacionais diferenciadas. E também porque o seu contributo para, fazendo a guerra, obter a paz e o desenvolvimento do país, foi considerado essencial para o futuro de Angola como Estado tal como reflectem os dois prefácios da obra, da autoria do Ministro da Defesa Nacional de Angola (general Salviano de Jesus Sequeira) e do Director dos Serviços de Informação Externa de Angola (general José Luis Caetano Higino de Sousa).

Este projecto editorial, que terá brevemente uma versão em Português (segundo o autor) visa apresentar assim, na língua global – e por isso em inglês - o processo de criação, transformação e afirmação regional das FAA e avaliar o impacto para a segurança regional e para a formação de uma Identidade de Segurança e Defesa que está a ser construída em Angola.

Ao longo da obra e das 542 páginas, articulados em 8 capítulos, com documentos e fotos inéditas, o autor oferece-nos uma descrição concreta do processo de edificação das FAA e dá uma enorme contributo para a historiografia militar angolana, como a ilustração gráfica onde apresenta a evolução histórica de Angola desde o período colonial e movimento nacionalista angolano - 3 movimentos, cada um deles com o seu braço armada - e até ao actual posicionamento estratégico das FAA.

Salienta-se ainda a historiografia de como, porquanto e quando as FAA foram criadas, desde o Acordo de Alvor (1975) e centrado nos Acordos de Paz de Bicesse (1991). É destacado o contributo de outras Forças Armadas (especialmente de Portugal) para a efectiva criação das FAA, tendo por base os membros das guerrilhas dos três braços armados dos movimentos de libertação nacional de Angola.

Por outro lado, Bernardino mostra-nos o impacto da criação das FAA para a segurança interna do país, quer através da defesa das suas fronteiras internas, quer por via de intervenções armadas em países vizinhos, no âmbito da SADC e com a apoio e cooperação de forças militares do Zimbabué e da Namíbia, nomeadamente na República (ex-Popular) do Congo e no ex-Zaire (actual República Democrática do Congo). Neste contexto, demonstra como as FAA são um factor chave para a estratégia política e diplomática de Angola, quer no concerto regional, como no apoio a outros países de língua portuguesa, no caso da Guiné-Bissau e na tentativa de apoio as Forças Armadas (2011), por via da “Missão Militar Angolana na Guiné-Bissau” (MISSANG-GB).

O autor aborda ainda a problemática crescente da profissionalização e da operacionalização das FAA (focando-se essencialmente no processo da Doutrina, Educação, Treino, Legislação Militar e Interoperabilidade) torna-as num dos parceiros mais importantes nos exercícios militares, seja no âmbito da União Africana - African Standby Brigade, como no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ou na parceria estratégica com o AFRICOM (EUA), com extensa análise destes aspectos e da estratégica de afirmação de Angola para a segurança regional fundamentadas numa Arquitectura de Paz e Segurança Africana, assente nas organizações sub-regionais, e subordinada aos princípios da Carta da União Africana.

De realçar, igualmente, o vasto leque de anexos, alguns dos quais, inéditos – até para a maioria dos membros da FAA –, que o autor nos oferece no final da obra ajudando-nos a compreender alguns factos que levaram à criação das FAA e o seu posicionamento pré e pós 2002, quando a guerra-civil angolana teve o seu término, primeiro com a morte do líder da UNITA, Jonas Malheiro Savimbi (22 de Fevereiro de 2002), e depois com a assinatura dos Acordos de Luena em 4 de Abril de 2002, entre os generais Armando da Cruz Neto e Abreu Muengo Ukwachitembo “Kamorteiro”, à época, respectivamente, Chefe de Estado-Maior das FAA/ FAPLA (MPLA) e chefe de Estado-Maior das FALA/UNITA. 

Esta obra constitui, assim, uma referência incontornável no contexto das Relações Internacionais para o estudo da formação das Forças Armadas Angolanas e um contributo concreto para a compreensão internacional sobre a edificação do Estado em Angola. 

 

* Doutorado em Ciências Sociais, especialidade de Relações Internacionais (ISCSP-UTL); Investigador Integrado do Centro Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e Investigador associado do CINAML (I&D da Academia Militar Portugal); Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Lisboa, Portugal (http://elcalmeida.net/ [email protected])