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Insegurança e negócio EMATUM "afundam" Moçambique
De “cisne” da comunidade internacional, país de paz e oportunidades de negócio, a “patinho feio”, inseguro e inóspito para os investidores – a reputação de Moçambique junto dos seus principais parceiros mudou muito nos últimos 2 anos. Por um lado, voltaram a soar as armas, e, por outro, o país parece uma caixa de surpresas de negócios públicos opacos milionários.
A mais recente surpresa tem a ver com uma dívida adicional do país superior a 787 milhões de dólares, incluindo 622 milhões da sociedade estatal Proindicus junto dos bancos Credit Suisse e VTB p, para compra de navios de vigilância costeira e radares, segundo relataram investidores ao Wall Street Journal. Só em 2013, por via de empréstimos, obrigações e títulos EMATUM, a dívida aumentou 1.470 mil milhões de dólares, mais 25% em relação a 2012.
“Moçambique está a tornar-se num caso de estudo sobre os perigos de entrar de cabeça em mercados na periferia do sistema financeiro mundial”, escreveu o Wall Street Journal na segunda-feira. A depreciação do metical no último ano, cerca de 30%, tornou dívida ainda mais onerosa.
Pior ainda para a imagem do país, é o relato feito ao jornal pelos investidores nas obrigações EMATUM, dando conta de que só souberam da nova dívida depois de aceitarem os termos da proposta do governo para troca dos títulos que detinham por outras obrigações, pelas quais Moçambique vai pagar juros mais altos, mas mais tarde.
Para o jornal, o resultado da troca de títulos concluída na semana passada “é que Moçambique está mais endividado, a pagar taxas de juro mais elevadas pelas novas obrigações reestruturadas e lidando com uma revisão (pela Standard & Poor´s) em baixa do seu rating para incumprimento selectivo (selective default). Os investidores ficaram com obrigações que provavelmente valem menos do que pensavam antes de saber sobre os outros empréstimos”.
Segundo o Briefing Africa Monitor de hoje, a revelação extemporânea da dívida aos investidores “contribui para degradar ainda mais a imagem de Moçambique junto dos mercados financeiros – e da comunidade internacional em geral, doadores em particular”.
“O nível de dívida assumido demonstra o excesso de confiança das autoridades em 2013, no auge das descobertas de gás natural e antes da quebra dos mercados energéticos. Os constrangimentos inerentes à degradação das contas públicas obriga agora as autoridades a virarem-se para fontes de financiamento institucionais e doadores”, adianta o Briefing Africa Monitor.
A fragilidade das finanças públicas e a erros de governação expostos pelo caso EMATUM surgem numa altura de preocupação em relação a situação política e de segurança. Para o analista Silvestre Baessa, a Renamo tem demonstrado que é ainda militarmente ativa, apesar de não ter cumprido o objetivo de controlar as seis províncias do centro e norte até 31 de março.
“Neste momento tendo em conta as evidências a opção continua a ser a militar. E enquanto os generais de ambos os lados continuarem a acreditar que esta opção tem um efeito significativo, como algum enfraquecimento do adversário, esta vai continuar a ser defendida. Porque, por um lado, sobretudo do lado do Governo parece-me que o Nyusi pacificador, o Nyusi homem da paz, começa a perder alguma capacidade de impor o seu discurso dentro do Governo”, afirmou o analista à DW África.
No site do Nordic Africa Institute, a investigadora Cristina Udelsmann Rodrigues, afirma que a Renamo luta por se manter relevante junto dos seus eleitores, e por isso “incita sublevações”. Se os angolanos “estavam cansados da guerra” em 2002, hoje os moçambicanos e em particular a Renamo “sentem que não conseguiram nada com a paz. Depois da guerra, as pessoas tinham elevadas expetativas, mas quando perceberam que não eram os beneficiários do crescimento económico, cresceu o desapontamento”.
“Muitas pessoas, não apenas simpatizantes da Renamo, criticam a forma como a riqueza foi distribuída. Também é em larga medida reconhecido que ligações estreitas ao partido no poder trazem benefícios económicos e sociais. A solução para o conflito pode parecer óbvia: uma distribuição mais equitativa de recursos, bem como a prestação real de serviços públicos pelo Estado. E, claro, não se pode ter grupos armados à solta”, diz Udelsmann Rodrigues.
“ Os doadores e investidores internacionais vêm há longo tempo tratando Moçambique como um benjamim em África, por causa da sua reputação de paz e estabilidade. Uma pequena guerra muda o cenário. Menos investimentos e doadores menos generosos terão grandes implicações económicas”, conclui.