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Indústrias extractivas podem ser "rastilho" para protestos em Moçambique
por: Emmanuel de Oliveira Cortês
É no sector mineiro que residem grande parte das expectativas de criação de riqueza em Moçambique no futuro. Entre a população, esperam-se empregos e rendimentos, além de maior desenvolvimento. Contudo, afirma o investigador moçambicano, Andes Chivangue, existe também o potencial para protestos populares, caso as expectativas actuais sejam frustradas.
No artigo “Narrativa Emergente Contra a Indústria Extractiva em Tete: Renegociando Instituições Através de Protestos Populares?”, publicado pelo Iseg, Chivangue escreve que devido ao fato da indústria extractiva intensificar as desigualdades e não combater a pobreza a nível local, esta poderá representar, “apenas o rastilho para a expressão popular da exclusão que historicamente atravessa estas comunidades do Alto Zambeze”.
"Embora os arranjos institucionais do sector mineiro sejam afectados pelos protestos, no entanto, porque desligados de outros instrumentos de planificação e governação, acabam por ter impacto limitado (Muianga 2012) na produção de respostas efectivos em matérias de desenvolvimento alargado e de longo prazo", refere ainda.
A expansão das indústrias extractivas em Moçambique, nos sectores de alumínio, carvão, produtos petrolíferos, gás natural, tem criado algum emprego ao nível local, mas a situação nos centros de reassentamento continua a ser de desemprego generalizado e, em muitos casos, as formações profissionais oferecidas por multinacionais como a Vale Moçambique e Rio Tinto não se traduzem em absorção da força de trabalho pelas empresas. Também rareia presença de pequenas e médias empresas ligadas aos projetos e com capacidade de gerar efeitos positivos à população.
A prosperidade e desenvolvimento que, ao nível oficial, tem sido associada à indústria extractiva é posto em causa pelas persistentes desigualdades sociais e económicas, fruto da própria incapacidade em reduzir a pobreza apesar do crescimento económico. Também questionado é o envolvimento das elites políticas ligadas ao partido no poder, a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) nestas redes de negócios em meio de uma notória relação de promiscuidade, bem como a ausência de transformação estrutural.
Chivangue escreve que a recente corrida pelos recursos naturais veio perpetuar o padrão da economia moçambicana, e as elites moçambicanas reajustaram os seus interesses económicos e objetivos políticos, retirando dividendos da participação nas indústrias extractivas.
O referido investigador, em colaboração com outro investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), Edson Cortês, num artigo recente intitulado “An analysis of Mozambique's political and economic networks”, analisou as redes sociais existentes entre figuras políticas moçambicanas identificando as ligações entre estes mesmos indivíduos, discernindo as suas relações e medindo a densidade como a centralidade da rede político-empresarial.
Segundo a investigação, já noticiada no Africa Monitor, o ex-estadista Armando Guebuza surge no centro de um grupo ligado a figuras como Miguel Nhaca Guebuza, Valentina Guebuza (entretanto falecida), José Eduardo Dai, Manuel Braga, entre outros. Sem um centro de poder tão definido, mas distribuído “por nódulos separados”, surge um grupo que integra Joaquim Chissano, Pascoal Mocumbi, Sérgio Vieira, Fernando Sumbana Jr., Manuel Tomé, José Tomo Psico. Graça Machel aparece como um “ponto de ligação entre os dois grupos”.
Chivangue, no seu novo artigo, afirma que as "políticas públicas nacionais mostram forte continuidade com o período da modernização coerciva, no qual imperavam lógicas de governação top-down como o vanguardismo do partido Frelimo, preferência por grandes projectos como machambas estatais e um persistente autismo das lideranças em ralação às populações que, por consequência disso, se mostram cada vez alienadas da política nacional".
"Se é verdade que a comunidade doadora exerce sua influência nas principais políticas nacionais, essas alternativas sugeridas ou impostas pela comunidade doadora são emuladas e ajustadas às
estratégias de manutenção de poder e dos interesses conómicos das elites ligadas ao Estado e à Frelimo", adianta.