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Há condições políticas para eleições em Novembro na Guiné-Bissau – Ramos Horta
Para o representante do secretário-geral da ONU para a Guiné-Bissau, Ramos Horta, “existem condições políticas” para a realização de eleições em Novembro, naquele país. Imediatamente a seguir, deve ser lançada uma reforma de toda a administração pública, de modo a que “os problemas não se voltem a repetir”.
Na entrevista ao jornalista Eleutério Guevane da Radio ONU em Nova Iorque, Ramos Horta traça também o perfil que deveriam ter os novos líderes guineenses, a sairem das eleições de Novembro: um Presidente da República “mediador e conciliador” e “não obstáculo ao bom funcionamento das instituições”, como aconteceu no passado; um primeiro-ministro “com visão e humildade, com muita inteligência, que saiba gerir um governo com grande inclusão”.
A entrevista foi divulgada no mesmo dia em que deveria ser tornado público o relatório da Missão de Avaliação Técnica à Guiné-Bissau, mas cuja apresentação foi adiada para 23 de Maio.
Ao longo de toda a entrevista, Ramos Horta defende a necessidade de que a comunidade internacional, após as eleições, apoie fortemente a reconstrução da Guiné-Bissau.
“Não podemos continuar a fazer como no passado, em se exigiram eleições, realizadas e sempre declaradas limpas e transparentes – mas, depois, a comunidade internacional descompromete-se “.
Salientando o cooperação da União Europeia, “que tem sido sempre solidária com a Guiné-Bissau”, Ramos Horta opina que “nunca houve um esforço, um programa estratégico de ajuda à modernização do Estado”.
Admite que tem vindo a realizar esforços nesse sentido, por exemplo em contactos com a administração norte-americana e numa “reunião excelente” com os embaixadores dos 27, em que “a sala estava cheia, com pessoas de pé”.
Diz ter-lhes tentado transmitir uma “mensagem positiva porque nem tudo é negativo na Guiné-Bissau”.
“Há um povo, que apesar de uma sociedade multi-étnica, multicultural, multirreligiosa, que apesar de defraudado, traído, enganado muitas vezes pelas élites políticas e militares, nunca foi ao extremo do desespero e não se envolveu na violência. Nunca houve na Guiné-bissau violência étnica ou comunal como aconteceu em tantos países da África Ocidental e pelo continente fora”.
Considera de certa forma injustas as críticas ao Governo de Transição “que recebeu uma responsabilidade enorme de um golpe de estado que não foi feito por ele”.
No seu entender, o Governo de Transição aceitou a “responsabilidade enorme de evitar que o país descarrilasse ainda mais para o caos total e tem feito um esforço notável”.
“É preciso reconhecer também o trabalho daqueles que, desde o golpe, têm procurado estabilizar o país e criar condições para as eleições”, voltou a acentuar.
Admite um problema: “a questão da droga continua a estar muito na agenda, em Washington”.
Recomenda que Bissau tome “medidas mais contundentes”, nomeadamente com legislação e mecanismos contra ela. Mas, prevê que, mesmo que as autoridades “tenham uma vontade determinada, férrea”, legislação e mecanismos, faltar-lhe-ão meios financeiros e equipamentos.
“Sugeri aos EUA e à UE que têm de encontrar meios de apoiar as autoridades da Guinè-Bissau no combate ao narcotráfico e à pesca ilegal”.
Referindo-se à prisão de um alto dirigente guineense pelos EUA, revelou-se convencido que se fará justiça no julgamento mas descreveu o caso como “um aviso para todos na região, e não só na Guiné-Bissau, de que o crime e as actividades ilícitas não compensam”.
Para ele, “os inocentes, os ingénuos da Guiné-Bissau”, foram usados pelos cartéis : “ A Guiné-Bissau assim como os pobres da África Ocidental são vítimas de gente sem escrúpulos da América do Sul e dos que gostam do consumo da droga na Europa”.
Apelando aos africanos para que evitem a droga, lembrou que não existem em todo o continente plantações como na Colômbia ou no Afenganistão, “embora comecem a surgir algumas fábricas de anfetaminas sintécticas na Nigéria.
Voltando ao processo político, defendeu que, passado um ano sobre o golpe de estado de Maio de 2012, “houve tempo suficiente para se pensar na normalização da vida constitucional. Realizar eleições em Novembro não é exigência demasiada”.
Considerando reunidas “as condições políticas” para a realização dessas eleições, Ramos Horta defende que, imediatamente depois, “em parceria com a comunidade internacional, o novo regime eleito comece a reconstituição do Estado”, o que demorará três a cinco anos.
Para tal, “os irmãos da Guiné-Bissau devem pôr de lado os interesses político-partidários, unirem-se todos num governo de grande inclusão, o partido mais votado com o segundo ou o quarto, numa grande aliança para governarem o país durante cinco anos, com forte apoio internacional”.
Só assim Ramos Hoirta acredita que “a Guiné-Bissau pode sair definitivamente da crise do passado para reocupar o lugar que lhe cabe na comunidade internacional” e desenvolver todo o seu potencial.
“Não há um único partido político na Guiné-Bissau que possa reivindicar ter a chave dos problemas do país” mas “todos juntos, reunem hoje as melhores cabeças, os melhores cérebros, podem fazer da Guiné-Bissau um país invejado em toda a região”.
Referindo o contributo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), salientou a vantagem da sua colaboração, tendo em conta “uma rica experiência solidária com a Guiné-Bissau, de décadas”.
Aludindo ao desenvolvimento dos países da CPLP, onde até Cabo Verde “que parecia uma paisagem lunar” foi transformado, Ramos Horta revelou que o seu país Timor-Leste, embora modesto, vai “colocar na Guiné-Bissau uma Agência de Desenvolvimento, com um fundo de dois milhões de dólares”.
Ramos Horta declara-se também favorável ao prolongamento por um ano do mandato, que deveria terminar este mês, do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Paz na Guiné-Bissau, UNIOGBIS) , medida que, diz, o secretário-geral da Organização também apoia.