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Guineenses votam esmagadoramente pela mudança
Foram votar de forma esmagadora e os resultados não deixam qualquer margem para dúvidas: os guineenses querem novo rumo para a Guiné-Bissau. Mas a percepção geral é de que, apesar do passo na direção certa, dias difíceis se avizinham.
Confirmada a dupla vitória do PAIGC nas legislativas e presidenciais, salta à vista a taxa de participação – próxima, respetivamente, de 80 por cento e de 90 por cento do eleitorado. Para a analista Elizabete Azevedo-Harman, a participação mostra a determinação do eleitorado em relação à mudança, deixando para trás “décadas de instabilidade”, e mais recentemente o golpe de Estado de 2012.
Para a analista da Chatham House, o PAIGC, a que pertencem o novo presidente, José Mário Vaz, e o novo primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, deve evitar “triunfalismo” com as confortáveis vitórias. Vai precisar de um governo “inclusivo” – politicamente, mas também religiosa e etnicamente.
O assunto mais espinhoso vai ser o da reforma do aparelho militar. O primeiro teste à nova ordem será a forma como nos quartéis for aceite – ou não – o resultado. “Os militares terão de ter a garantia de que não vão ser alvo de uma caça às bruxas política”, afirma Azevedo-Harman.
A generalidade dos analistas alerta que o chefe de Estado maior, Antonio Indjai, ainda pode desestabilizar o país. E tem os militares mais bem preparados e equipados do país ao seu serviço. Segundo a newsletter Africa Monitor Intelligence, o Departamento de Estado norte-americano está disposto a rever o atual mandato de captura internacional de que é alvo, por alegado envolvimento no narcotráfico.
Num artigo publicado em vésperas da votação, o analista Paulin Maurice Toupane, do Institute for Security Studies (ISS), afirma que o principal desafio para as autoridades escolhidas nestas eleições, cuja votação decorreu no domingo, será acabar com as tensões com o poder militar e por cobro à influência dos militares na política. Isto, para além de repor a ordem constitucional, em suspenso desde o golpe de abril de 2012.
Se as reformas não forem iniciadas e levadas a cabo de forma eficaz, o “triângulo vicioso” das Forças Armadas, primeiro-ministro e presidente “provavelmente continuará a ser uma fonte de instabilidade”. E não é de excluir inteiramente a possibilidade de uma nova crise política e golpe militar, afirma o analista.
Se a vitória for de Jomav, o favorito, o PAIGC controlará a presidência e parlamento. Neste cenário, os militares poderão sentir-se ameaçados pela Justiça e reagir. Uma vitória de Nabian, por outro lado, pode trazer de volta as “rivalidades” entre governo e presidência.
Nabian é visto como o “candidato dos militares”, por ter o apoio destes. Vaz beneficia de fama de bom gestor, que lhe granjeou a alcunha de “Homi di 25” – por ter pago pontualmente os salários dos funcionários públicos a 25 de cada mês, enquanto foi ministro das Finanças.
Para o analista, as “sementes da instabilidade” ainda estão presentes, e é duvidoso que as aspirações de paz, segurança e estabilidade serão realizadas.
A solução para as novas autoridades, defende, pode passar por um diálogo alargado a todos os atores nacionais. Ao mesmo tempo, os militares devem ser envolvidos no processo de reforma, desde a conceção à implementação. “Embora entendido corretamente como parte do problema, o exército deve também ser considerado parte da solução”, afirma.