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Sistema de governo na Guiné-Bissau estimula conflitos políticos
A comunidade internacional subestimou o potencial para a disputa política entre o presidente e o primeiro-ministro da Guiné- Bissau desencadearem uma crise institucional. Agora, diz o analista Paulo Gorjão, o país arrisca-se a um impasse que ponha em causa a estabilização alcançada no último ano e os apoios financeiros entretanto prometidos. O próprio sistema de governo pode estar a contribuir para a conflitualidade, defende.
“A conclusão lógica a retirar da crise política e institucional a que estamos a assistir é que não será a última”, afirma o analista do Instituto Português de Relações Internacionais e de Segurança (IPRIS). Paulo Gorjão defende que o embaixador brasileiro na ONU, António Patriota, “colocou o dedo na ferida” ao advogar por uma melhor delimitação das competências de presidente e primeiro-ministro.
“Patriota reconheceu que existe um problema de natureza constitucional, mas depois não deu o passo lógico no sentido de reconhecer que o atual sistema semipresidencialista é um foco estrutural de instabilidade”, afirma Gorjão. O sistema de governo potencia a conflitualidade, num país que revela “incapacidade de dirimir as divergências políticas através do diálogo”.
“O sistema semipresidencialista, a partir do momento em que institui dois pólos de poder legitimados democraticamente num contexto adverso como é o da Guiné--Bissau, contribui também para potenciar e exacerbar a conflitualidade política. Na ausência de um regime democrático consolidado, o conflito político entre o Presidente e o primeiro-ministro — decorrente da luta pelo acesso e o controlo dos recursos do Estado — é quase inevitável”, afirma.
Caso não seja encontrada para a atual crise uma solução que respeite a Constituição, “a estabilidade e a paz, a boa governação democrática e o progresso socioeconómico serão, uma vez mais, os danos colaterais na luta pelo acesso e controlo do poder”.
Em Bissau, aguarda-se a declaração do Supremo Tribunal de Justiça sobre a constitucionalidade da nomeação de Baciro Djá como primeiro-ministro, por iniciativa presidencial. Uma declaração de inconstitucionalidade poderia ferir de morte o presidente José Mário Vaz, mas a constitucionalidade por si só não deverá ser suficiente para resolver o diferendo. O PRS, segunda maior força parlamentar, deu no final da semana passada o seu apoio ao executivo de Baciro Djá.
Um dos maiores constitucionalistas portugueses e perito nas constituições dos países de língua portuguesa, Pedro Bacelar de Vasconcelos defendeu na semana passada que o fundamento invocado para a demissão de Domingos Simoões Pereira é “inválido”.