Acesso Livre
Demissão do governo, uma etapa até às necessárias eleições na Guiné-Bissau
A crise política na Guiné-Bissau arrasta-se há praticamente dois anos. Para alívio de muitos, até agora foi possível que ela não extravasasse do parlamento e tribunais para os quartéis, num país com um historial de golpes de Estado. Da demissão de mais um governo não deverá surgir um momento clarificador, mas apenas um prolongar a crise, continuando a ser inevitável a realização de eleições.
No decreto em que anuncia a demissão do governo de Carlos Correia (PAIGC), quinta-feira, o presidente José Mário Vaz invoca a falta de “apoio maioritário" na Assembleia Nacional Popular e incapacidade de "entrar em plenitude de funções", por não dispor de "um programa aprovado". Critica ainda a obstrução "de forma reiterada e censurável, (do) cumprimento de decisões judiciais", bem como da ação do Ministério Público.
O PAIGC reagiu já ao final do dia, num comunicado aos militantes, refutando as acusações. “O Governo possuia um programa e, não fossem as perturbações forjadas na ANP, já estaria munido dos demais instrumentos de sua legitimidade. Infelizmente, o governo não tem como substituir o Presidente da República nas suas competências exclusivas, como por exemplo na nomeação do elenco tal como proposto pelo PM”.
“Não nos escapou que o Presidente da República terá assinado o Decreto Presidencial sob uma intensa e incomportável pressão por parte de pessoas ávidas de ver os seus interesses pessoais priorizados em relação aos coletivos e nacionais”, acusa o partido de Domingos Simões Pereira, que defendia a convocação de eleições. Nos próximos dias será convocado o Bureau Político do PAIGC.
Segundo a análise do Briefing África Monitor de hoje, a demissão do Governo da Guiné-Bissau constituiu um novo passo “no desenvolvimento de uma estratégia de poder” presidencial, “apoiada e animada por um círculo montado à sua volta”. “É nítida a intenção que o move de se converter ele próprio no principal centro de poder político na Guiné-Bissau”.
“Na lógica da sua estratégia, há-de seguir-se a instalação de um governo dito de iniciativa presidencial – embora podendo vir a ser integrado e até chefiado por gente do PRS – com a incumbência conduzir o país até novas eleições, a realizar provavelmente quando à frente do PAIGC já não estiver Domingos Simões Pereira”, refere a publicação do Africa Monitor Intelligence.
Com esta maioria, Vaz estaria em condições de alterar a constituição de modo a adoptar um sistema de poder presidencial, é o que se espera como resultado dessas eleições. O “principal handicap” de Vaz, adianta, “é uma fraca credibilidade regional e internacional, em razão da qual o passo que agora deu suscitará mais reticências do que boas expectativas”.
Em comentário para o Instituto Português de Relações Internacionais e de Segurança, o analista Paulo Gorjão afirma que “o braço de ferro entre o Presidente e o PAIGC está para durar e sem solução aparente à vista”. “Nesta altura, não é ainda claro que Governo emergirá desta crise, mas em todo o caso é evidente que a crise política apenas se começará a resolver com eleições antecipadas”.
“As futuras eleições são uma condição necessária para resolver o quadro de crise instalado, mas não suficiente. (…) Sendo o desfecho das eleições legislativas uma previsível renovação da legitimidade política e eleitoral do PAIGC, o grande perdedor da clarificação seria José Mário Vaz, ele que tem sido desde que foi eleito o foco central de instabilidade na Guiné- Bissau”, adianta.
Para o analista, a Guiné-Bissau “necessita urgentemente” de uma revisão constitucional que coloque um ponto final no seu sistema semipresidencialista. “A existência de dois pólos de poder político legitimados pelo voto é uma fonte reiterada de problemas sem vantagens aparentes. Entretanto, enquanto o impasse não se resolve, resta esperar até que uma nova faúlha faça alastrar a próxima crise política. Certamente não demorará muito tempo.”