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Tanzânia: Tensões com Moçambique devido a conflito em Cabo Delgado
(AfricaMonitor.Net/ Grey Dynamics - www.greydynamics.com)
O papel da Tanzânia no conflito em curso em Cabo Delgado tem sido alvo de críticas por parte de observadores e, mais recentemente, de responsáveis do governo moçambicano.
Apesar da existência de acordos bilaterais de controlo fronteiriço e de cooperação no domínio da segurança e defesa – em 15 de Janeiro de 2018 os 2 países assinaram um acordo de cooperação no domínio anti-terrorista em Dar-es-salam com vista ao incremento da troca de informações e à realização de operações conjuntas entre as duas polícias - a Tanzânia é apontada por não colaborar activamente nas operações de contra-insurreição e fiscalização das fronteiras, mantendo uma atitude permissiva na transposição da fronteira em direcção a Moçambique, nomeadamente de contrabando e imigração ilegal.
Ao contrário, a fiscalização de entradas no seu território a partir de Moçambique foi recentemente reforçada. O próprio Ministro moçambicano da Defesa Nacional, Jaime Neto, informou que dois dos jihadistas abatidos durante ataque a Macomia de apelidos "Ndjoroje" e "Ambasse", tinham nacionalidade tanzaniana.
A suspeição sobre a postura tanzaniana levou já o embaixador em Maputo a desmentir a falta de cooperação, reiterando que a fronteira comum é objecto de operações conjuntas de fiscalização. O agravamento do conflito de Cabo Delgado é factor de preocupação para o regime tanzaniano face ao risco de transposição para o próprio projeto de GNL na Tanzânia, considerando o potencial de células terroristas se multiplicaram na região fronteiriça de Mtwara.
As reservas de gás concentram-se sobretudo na bacia do Rovuma (offshore) e os projectos - liderados pela Equinor, ExxonMobil, Shell e Ophir Energy - têm vindo a sofrer atrasos devido à intenção do governo em renegociar os termos dos acordos de partilha da produção com os operadores. Os prazos iniciais foram ultrapassados e a possibilidade início das obras antes de 2022 e da produção antes do final da década é considerado demasiado optimista. Os atrasos dos projectos em relação aos de Cabo Delgado tenderão a ganhar uma margem acrescida de incerteza com a instabilidade na província vizinha.
Entre os principais factores de risco para o governo tanzaniano constam:
- Após a campanha de repressão contra pregadores extremistas islâmicos no país em 2015, aumentando em 2017, vários acabaram por emigrar e refugiar-se na província de Cabo Delgado, local a partir do qual poderão preparar o regresso à Tanzânia;
- A radicalização tem sido alimentada pela narrativa do "domínio cristão" de Mfumo Kristo (MK) na Tanzânia. Com uma população muçulmana de 99% em Zanzibar, essa narrativa acabou por radicalizar a faixa etária dos jovens, socialmente mais vulneráveis;
- No distrito de Mtwara, na fronteira com a Moçambique, mais de 100 pessoas terão sido capturadas enquanto atravessavam a fronteira, algumas das quais com o objectivo de se alistarem nos grupos jihadistas activos em Moçambique;
- Com as eleições de Outubro 2020 no horizonte, a vitória altamente provável do presidente John Magufuli poderá contribuir para acentuar a radicalização e alimentar a narrativa autoritária de MK. A possibilidade do distrito de Mtwara desenvolver focos de radicalização semelhantes aos de Cabo Delgado permanece em aberto.
Em meados de 2017, os serviços de segurança da Tanzânia manifestaram preocupações sobre as vulnerabilidades para o recrutamento extremista em Kibiti, Mkuranda, distrito de Rufuji na região de Pwani. A região do Rovuma, que inclui Masaguru, Pwani e Tanga, tem sido um teatro recorrente de operações de combate ao terrorismo, existindo indicações sobre a mobilização de jihadistas para a região de Kibiti. A fronteira com Moçambique encontra-se desprotegida devido à sua extensão e ineficácia das forças de segurança e permanece permeável a fluxos migratórios e tráficos diversos.
A porta de entrada pela Tanzânia também facilitou a exportação de voluntários jihadistas para a Somália para se juntarem ao Al-Shabaab somali. As células Harakat Shabaab Mujahideen (HSM) já existem na região há vários anos e muitos dos seus membros ter-se-ão juntado ao Daesh, activo em outras regiões onde a “jihad” está activa.
Na região fronteiriça entre Moçambique e Tanzânia, grande parte da população compartilha semelhanças étnicas, linguísticas e religiosas. Algumas das tensões sociais identificadas na primeira fase de instalação dos projectos de GNL em Cabo Delgado têm-se igualmente verificado no lado tanzaniano como protestos e queixas locais, exacerbadas pela flutuação dos rendimentos do caju, parte importante da economia da região. O descontentamento das populações locais tem sido igualmente potenciado pela propaganda extremista islâmica.
Assassinatos e detenções extrajudiciais contribuem para alimentar a na narrativa radical de MK, incitando à violência contra um Estado corrupto numa região com elevado desemprego e baixos níveis de educação. O pregador Ponda Issa Ponda tem sido outra das vozes incitando à violência contra o Estado. Muitos dos pregadores fugiram para a Tanzânia a partir de Mombaça. A Arábia Saudita é acusada de ser o maior exportador mundial do jihadismo salafista.
O reino saudita tem vindo a financiar a construção de centros e escolas islâmicas na Tanzânia desde 2015, locais onde surgem e se desenvolvem movimentos radicais de tipo jihadista. Em 2018, 52 dos 470 membros do movimento Ansar al-Sunna capturados na região do Sahel eram tanzanianos.
O efeito de contágio a partir de Cabo Delgado constitui um desafio regional para o qual o regime tanzaniano parece ainda convencido dos benefícios da opção nacional, apesar das evidências crescentes de que os elementos de radicalização são maioritariamente provenientes do vizinho norte de Moçambique.