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Anúncio de Santos recebido com incredulidade
“Deixar a vida política activa em 2018”, foi a promessa hoje deixada por José Eduardo dos Santos, há 36 anos no poder. Na verdade, não é a primeira vez que o presidente angolano o promete. Por isso, e porque o anúncio tem uma utilidade óbvia, em contexto de grande pressão política económica e com eleições à porta, o anúncio foi recebido sobretudo com incredulidade.
"Quer [as eleições] se realizem em 2002 ou 2003, teremos um ano e meio ou dois anos e meio para que o partido possa preparar o seu candidato para a batalha eleitoral e é claro que esse candidato desta vez não se chamará José Eduardo dos Santos". Quem o disse foi o próprio líder do MPLA, em 2001, também na abertura de uma reunião do Comité Central do MPLA.
Escrevia na altura Reginaldo Silva, para o jornal Público: “a declaração para já ainda está longe de convencer analistas, apoiantes e adversários em relação ao seu carácter irreversível (…) não vai provocar de imediato qualquer alteração na actual estrutura do poder em Angola, pois o Presidente apenas se limitou a emitir um desejo futuro que está a ser considerado por alguns dos seus companheiros de partido como sendo para já ainda do foro pessoal”.
Mais tarde, em 2006, o episódio do “tirar do tapete” a João Lourenço. Até aí, Santos promoveu activamente Lourenço no MPLA, depositando grande confiança pessoal e política. Quando Lourenço se apresentou publicamente como candidato à “sucessão”, Santos reagiu negativamente e o “candidato a candidato” iniciou uma longa travessia no deserto.
A sua nomeação em abril de 2014 para Ministro da Defesa representou a sua reabilitação política plena. E prestou-o a passar a ser novamente identificado como candidato eventual à “sucessão presidencial”.
Para alguns analistas, o anúncio de hoje insere-se neste trajeto “ardiloso” de Santos. Caso do investigador Ricaro Soares de Oiveira (Universidade de Oxford), que, recorrendo às redes sociais, aconselhou os interessados a “esperar sentados”, pela efetivação da promessa do “ardiloso”Santos.
Através de Alcides Sakala, a UNITA sublinhou à Lusa que “não é a primeira vez” que Santos faz um anúncio semelhante. “É preciso ver para crer. Já o disse [anúncio de saída] no passado e continuou". O ativista Luaty Beirão rejeitou “entrar em momento de excitação ou de alegria” por recordar “esse discurso em 2011”.
“Daqui a bocado está ele a voltar atrás com a sua palavra, alegando que o partido pede que não os abandone nesta altura tão complicada, porque é o único timoneiro capaz de levar o barco a bom porto. A gente já conhece este filme”, disse à Lusa. "É incompreensível porque é que alguém anuncia que vai afastar-se da vida política em 2018 quando existem eleições previstas para 2017. Porque é que não diz logo que não vai ser o candidato para 2017", adiantou.
Para Marcolino Moco a declaração tem objetivos táticos. "A situação não é boa e normalmente é nestas situações que são feitas estas declarações, provavelmente para baixar a tensão". "Não acredito. Tanto porque já aconteceu no passado e sobretudo pela própria articulação da declaração".
A análise diária do Africa Monitor Intelligence recorda os impactos da crise económica e financeira sobre a imagem do regime e de Santos em particular. A preocupação tem vindo a crescer no seio do MPLA, a par de (quase inéditas) críticas veladas à liderança, agora registadas.
O principal impacto do anúncio de hoje, refere o briefing AM, é “descomprimir o ambiente em torno de JES e/ou ganhar tempo – 2 anos – até 2018”. “A mensagem de “desapego” ao poder, de predisposição para a sucessão, é também benéfica para a imagem de JES e do regime do MPLA, criando ambiente para um clima de homenagens e exaltação nos próximos meses, e chegar ao momento das eleições em melhores condições de obter um resultado favorável”, refere a mesma fonte.
Certo é que o anúncio reforça a importância do processo de escolha do segundo nome a figurar na lista de candidatos do MPLA; caso não haja alterações ao cenário-base agora criado, será o sucessor de JES.