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Aproveitar a criação da Agência Nacional de Petróleos para refundar o sector petrolífero de Angola*
Por: Patrício Wanderley Paulo Quingongo
Apesar da sua riqueza petrolífera e sucesso no desenvolvimento de alguns campos petrolíferos, é factual que o actual modelo de gestão do sector petrolífero angolano não vingou, ficando abaixo da performance esperada. A produção nacional encontra-se em declínio na ordem dos 15%, sendo que a produção actual ronda os 1.490 MBPD, muito àquem dos 1.902 MBPD produzidos em 2008. Na última década houve uma diminuição contínua nas actividades de pesquisa e no tamanho das descobertas, uma vez que, por exemplo em 2017, não foi perfurado nenhum poço de pesquisa no offshore angolano.
De entre os vários factores responsáveis pela queda da produção petrolífera nacional salientam-se a falta de políticas e incentivos para o desenvolvimento dos campos marginais, inexistência de licitações de novos blocos por um período considerável, excesso de burocracia e a maturação dos actuais campos petrolíferos.
Tanto a gestão como a estratégia regulatória e legal da indústria petrolífera angolana foram sempre contestadas, muito pelo facto da falta de boa governança, transparência, corrupção, conflitos de interesses, actividades quasi-fiscais e pela falta de políticas para o desenvolvimento e sustentabilidade do sector. Foi nessa senda, e entendendo a urgente necessidade de mudar o modelo de gestão do sector petrolífero e reajustá-lo à nível organizacional, que o novo executivo angolano anunciou a criação da Agencia Nacional de Petróleo e Gás, que deverá assumir o papel de Concessionária Nacional. Não obstante a criação da Agência de petróleo e gás e pelo facto da sua criação não se traduzir significativamente na melhoria da gestão da indústria petrolífera nacional, vários factores e premissas devem ser acauteladas de formas a garantir a efectiva implementação da agência e melhorar a performance do sector como um todo. Esses factores resumem-se em:
(a) Melhoria da capacidade institucional.
(b) Aprofundar o desenvolvimento da indústria petrolífera e a criação de um plano director
do sector.
As agências reguladoras são as autoridades mais competentes na regulação da indústria de petróleo e gás, em especial no upstream. Elas são criadas com uma abordagem eficaz sobre a regulação, quando o poder legislativo/executivo delega poderes públicos a instituições públicas para regular uma certa área económica ou social.
O actual modelo de gestão da indústria petrolífera nacional, no qual a Sonangol (concessionária nacional e detentora dos direitos mineiros), MIREMPET (Regulação e supervisão das actividades petrolíferas), MINFIN (gestão do regime fiscal e receitas petrolíferas), não teve a performance desejada, muito pelo facto da Sonangol ter monopolizado o sector, agindo como árbitro e jogador, assim como pelo facto da mesma ter usurpado os papéis do MIREMPET e MINFIN.
As várias funções exercidas pela Sonangol resultam no mau desempenho da própria empresa, sendo necessário que a mesma se concentre no seu "core business", de maneira a tornar-se mais eficiente e garantir que o Estado angolano usufrua dos reais benefícios da sua riqueza petrolífera.
Antes de indicar o melhor modelo de agência a ser implementado em Angola, é essencial entender a razão pela qual o atual modelo e estrutura de gestão da indústria petrolífera angolana não apresentou os resultados desejados, visto que outros países com modelos similares têm uma melhor performance, como é o caso da Malásia, em que a sua indústria é dominada pela Petronas que é a concessionária e companhia petrolífera nacional (NOC).
O meu livro “Gestão da Indústria Petrolífera – Estudo Sobre o Caso Angolano”, lançado a 29 de Junho de 2018 em Luanda, faz uma análise a gestão da industria petrolífera nacional e conclui que existe uma fraca capacidade institucional, interferência politica, baixa promoção do conteúdo local, corrupção, falta de transparência, e os vários papeis desempenhados pela Sonangol (concessionária nacional), criam claros conflitos de interesse, razão pela qual é recomendada a separação das funções da Sonangol e transferir a função de concessionária e reguladora para uma entidade independente (Agência Nacional de Petróleos).
A vantagem da implementação de uma agência independente no sector petrolífero centra-se na capacidade dela providenciar uma regulação apropriada, experiência técnica independente e sem interferência politica.
A criação da Agência Nacional de Petróleos deve ser vista num contexto de necessidade de conhecimentos técnicos, liberdade da interferência politica e compromissos a longo prazo em políticas públicas. No entanto é essencial perceber que a implementação da Agência deve ser feita com base na capacidade institucional do país anfitrião e não por intermédio da imitação das instituições adoptadas em países desenvolvidos. Por último mas não menos importante, é necessário frisar que a transição de um modelo dominado pela NOC para um modelo com Agência reguladora não está isenta de custos, sendo que estes custos precisam de ser considerados.
A Agência Nacional de Petróleos é a concessionária nacional e o órgão regulador das actividades que integram a indústria petrolífera (petróleo & gás) em Angola. A Agência deverá ser um órgão colegial independente e esta independência deve ser garantida por legislação ou constituição. A mesma é responsável pela implementação da política nacional do sector petrolífero, garantindo o abastecimento de combustível e protegendo os interesses dos consumidores. A agência deve reportar à Presidência da República e Assembleia Nacional.
A agência deverá ter os seguintes propósitos:
a) Regulação: Estabelecer regras, resoluções e instruções, sobre as operações petrolíferas.
b) Contratação: Fazer licitações e celebrar contractos relacionados com as actividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás, e garantir licenças para as actividades afins.
c) Supervisão: Garantir o cumprimento das regras e regulamentações do sector directamente ou através de acordos com outras entidades pública.
A Agência deve ser administrada por um Conselho Colegial, formado por um Director Geral e quatro outros directores num mandato de cinco anos não-coincidentes. O Director Geral e os restantes Directores devem ser pessoas íntegras, deverão possuir experiencia comprovada e relevante em Petróleo, Geociências, Gestão de Recursos Naturais, Geoengenharias, Tributação e Finanças. Em sessões deliberativas, o Conselho emite
resoluções e instruções regulamentares. Todas as decisões devem ser publicadas no Website da Agência.
A Agência deve realizar sessões de auscultação pública antes de tomar qualquer decisão que possa afectar interesses e direitos públicos.
O processo de transferência dos funcionários da Sonangol Concessionária para a Agência Nacional de Petróleos deve ser feito de forma cautelosa. Todos os ex funcionários devem ser submetidos à uma sessão de escrutínio e avaliação, e só devem passar para a Agência aqueles com formação académica-profissional comprovada e desejável. Outrossim, é necessário garantir que a Sonangol P&P tenha pessoal qualificado para desenvolver as actividades E&P.
A Agência deverá recrutar para o seu quadro, pessoal especializado nas áreas de Geologia, Geofísica, Petróleo, Economia, Direito e Engenharia; Sendo que um dos principias objectivos da implementação da Agência é a criação de conhecimento técnico e especializado para melhor gerir o sector petrolífero nacional. A não observância destes factores poderá transferir os mesmos problemas da actual concessionária para a Agência.
As suas competências/funções devem incluir:
a) Conduzir avaliações técnicas das áreas a serem disponibilizadas para as actividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo gás.
b) Administrar os direitos petrolíferos e assegurar o cumprimento pelos titulares de tais direitos de acordo os regulamentos e termos contractuais ou licenças petrolíferas relevantes.
c) Criar, desenvolver e implementar a política petrolífera nacional.
d) Rever e aprovar os programas de trabalho de exploração e avaliação, orçamentos, planos de desenvolvimentos e produção e os seus respectivos orçamentos, planos de abandono e orçamentos, submetidos pelos titulares dos direitos incluindo qualquer revisão relacionada.
e) Representar o Estado nos comités de operações estabelecidos nos acordos petrolíferos para rever as actuais e futuras operações petrolíferas.
f) Monitorizar as operações petrolíferas, efectuar inspecções, investigações e auditorias.
g) Garantir que as receitas que fluem para o Estado através da Agência são depositadas directamente ao Tesouro nacional, para um controle efectivo de acordo com as boas práticas de gestão e transparência.
É função da Agência desenvolver o sector que ela regula, colaborar para atrair investimentos, desenvolver tecnologias, criar e melhorar a capacidade dos recursos humanos do sector de formas a gerar crescimento económico, emprego e receitas.
A Agência deve encorajar o crescimento e a consolidação da indústria petrolífera nacional, incluindo os materiais, equipamentos, sistemas e serviços a ela relacionada, de modos que se crie um impacto positivo na economia do país. A promoção do conteúdo local requer um sério compromisso por parte das companhias nacionais, a Agência deve garantir que esses compromissos sejam atingidos, assim como incentivar a participação destas companhias nos actos de licitação.
A actual política petrolífera de Angola foi apenas desenhada para grandes empresas petrolíferas, deixando de parte as pequenas e médias empresas. Será também função da Agência a inclusão e encorajamento das pequenas e médias empresas no sector petrolífero. Estas pequenas empresas serão o motor alavancador da exploração dos campos marginais, pois esses não são prioridades das grandes empresas devido ao reduzido volume de recursos petrolíferos nestes campos. Mas no entanto, os campos marginais são muito atractivos para as pequenas e médias empresas, uma vez que requerem pouco investimento e o desenvolvimento desses campos resultará num impacto positivo na economia, tendo em conta que serão recursos adicionais para o Estado.
A Agência deverá ter um plano de formação e especialização de recursos humanos nas mais diversas áreas afins. Por outro lado, a Agência deverá também investir em pesquisa tecnológica e desenvolvimento de projectos e programas (R&D).
A Agência deverá seguir as melhores práticas internacionais e assegurar que a indústria e as companhias que nela operam e ponham em prática os procedimentos e técnicas comprovadamente eficientes para que garantam operações seguras, eficiência energética, protecção ambiental e a saúde humana.
Deverá a Agência cooperar com o Ministério do ambiente, Universidades e outras entidades, de formas a garantir a protecção ambiental e assegurar que todas as questões ambientais são consideradas no desenvolvimento de todas as actividades de exploração petrolífera.
A Agência deverá aprovar e supervisionar todas as plataformas de exploração e produção de petróleo e gás, equipamentos, procedimentos para processamento e armazenagem de petróleo e produtos petrolíferos.
Ao anunciar a criação da Agência, entendo que o Estado angolano está disposto a transferir a função de regulação e concessionária a uma entidade independente, livre de interferência política, pois a não observância destes pressupostos poderá transferir os mesmos problemas da actual concessionária nacional à Agência de petróleos, tendo em atenção que a criação da mesma não significa melhor desempenho do sector petrolífero nacional.
Por último, mas não menos importante, penso que se deve aproveitar o anúncio da criação da Agência Nacional de Petróleos para refundar o sector petrolífero nacional, e assim, criar um órgão colegial forte e de excelência, com capacidade técnica e de gestão para melhor gerir os recursos petrolíferos do país, atrair investimentos, criar e desenvolver tecnologias, capacitar os recursos humanos, gerar crescimento económico, empregabilidade e receitas.
** Eng.º de Produção de Petróleos e Gás Natural e Tecnologia Aplicada a Indústria Petrolífera, MSc. Gestão Internacional de Petróleo e Gás, Especialista em Petróleo & Gás, Pesquisador e Analista do Mercado Petrolífero.