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Redução da dívida de países africanos ganha apoios
18 Presidentes e chefes de governo europeus e africanos pediram esta semana uma redução da dívida dos países africanos
Embora menos atingida pela pandemia do que outras zonas do globo, África corre o risco de sofrer prejuízos económicos desproporcionados devido a fragilidades como a dependência da exportação de matérias-primas e o elevado endividamento. Os grandes credores internacionais não desdenharam apoios, embora o "cancelamento total de dívida" pedido não faça parte das suas intenções. Contudo, alguns Governos europeus juntaram-se esta semana ao pedido africano.
Num contexto quase certo de recessão mundial, em África, o crescimento económico em 2020 poderá cair para metade (de 3,2% em 2019 para 1,8% este ano), segundo António Pedro, Director da Comissão Económica das Nações Unidas para a África para a África Central (UNECA). No caso da África sub-saariana, a queda será ainda maior (de 2,4% em 2019 para um intervalo entre -2,1% e -5,1% em 2020, segundo o Banco Mundial). O Banco de Desenvolvimento Africano, menos pessimista, prevê uma recessão nesta região com uma queda do crescimento entre -0,7% e -2,8%.
A perspectiva de tal impacto num continente já atingido por guerras, pobreza e desnutrição, deixa antever dificuldades dos Estados em satisfazerem os seus compromissos financeiros. E gerou apelos e mobilização de vontades em prol da tolerância dos credores.
No passado dia 13 de Abril, o FMI anunciou o perdão do serviço de dívida a 25 países pobres, a maioria dos quais em África - Benim, Burkina Faso, República Centro Africana, Chade, Comores, República Democrática do Congo, Gâmbia, Guiné, Guiné-Bissau (1,5 milhões de dólares), Libéria, Madagáscar, Malawi, Mali, Moçambique (14,8 milhões de dólares), Níger, Ruanda, São Tomé e Príncipe (136 mil dólares) e Serra Leoa - para facilitar respostas à pandemia. O Comité para o Jubileu da Dívida (CJD) elogiou a medida, mas considera que o FMI podia ter feito mais, cancelando mais dívida.
Dois dias depois, o G20 anunciava a suspensão por um ano dos pagamentos de dívidas dos países mais pobres, respondendo a um apelo já feito pelo FMI e Banco Mundial. Em causa pode estar um alívio de 12 biliões de dólares. Mais uma vez, a CJD elogiou a medida, mas defendeu que a mera suspensão da dívida não exclui a acumulação de juros nem dívidas ainda maiores no próximo ano. E apelou ao G20 para se empenhar num acordo visando o cancelamento das dívidas até um nível sustentável, pronto a implementar em 2021, sublinhando que os Estados Unidos e o Reino Unido devem legislar no sentido de impedir que os países sejam processados pela suspensão de pagamentos durante a pandemia.
O G20, por seu lado, também apelou. Às instituições multilaterais, como o Banco Mundial, para uma suspensão semelhante para o resto de 2020, e aos credores privados, para suspenderem os pagamentos de dívida dos 77 países mais pobres no próximo ano, estimada em 8 biliões de dólares.
O Banco Mundial, porém, anunciara já avançar com 160 mil milhões de dólares para apoiar os países na resposta à pandemia nos próximos 15 meses, dos quais 6 mil milhões são garantias de empréstimos expedidas pela Multilateral Investment Guarantee Agency (MIGA). Mais recentemente, o presidente do Banco Mundial, a propósito dos apelos para suspensão dos pagamentos dos serviços das dívidas mantendo os ratings de crédito, referiu que na sequência de uma reunião com a presidente do FMI e de responsáveis de outros bancos multilaterais de desenvolvimento lhe foi sugerido que os ratings fossem mantidos. Tal como a preocupação com uma suspensão de pagamentos aos bancos, que se não for compensada com novas contribuições dos accionistas, corre o risco de prejudicar os mais pobres no curto prazo por reduzir a capacidade assistencial e de alavancagem dos bancos.
Esta conjugação de boas vontades das grandes instituições financeiras internacionais, traduzida em fundos de emergência, financiamentos e suspensões parciais de pagamentos, contudo não satisfaz o principal pedido dos Estados devedores mais pobres, que reclamam o perdão total das dívidas e, no caso dos Estados africanos, durante três anos, o tempo considerado necessário para recuperarem dos efeitos da pandemia. Um perdão através da “criação de um veículo financeiro especial que lide com as obrigações da dívida soberana”, segundo comunicado resultante de uma reunião de ministros das Finanças do continente. Por outro lado, com um modelo de desenvolvimento muito assente no endividamento público junto de credores internacionais, cada vez mais entidades privadas, os países africanos, ao acenarem com cenários de perdão de dívida, correm o risco de alienar o capital de confiança de que ainda dispõem junto dos seus financiadores e hipotecar o futuro.
Numa carta aberta publicada esta semana no Financial Times, 18 Presidentes e chefes de governo europeus e africanos pedem uma redução da dívida dos países africanos e um plano de relançamento de cerca de 100 mil milhões de dólares para ajudar o continente africano.
"Só uma vitória mundial que inclua inteiramente a África pode pôr fim a esta pandemia", resumem os dirigentes de países europeus como o primeiro ministro português, António Costa, e presidentes africanos, como João Lourenço, de Angola, do Quénia ou da Etiópia. "Devemos intaurar uma moratória imediata sobre todos os pagamentos de dívidas bilateral ou multilateral, pública e privada, até o desaparecimento desta pandemia", refere o documento.
Recorde-se que em Março, o Banco Africano de Exportações e Importações (Afreximbank) anunciou um financiamento de 3 mil milhões de dólares destinados aos "bancos centrais dos países-membros", visando reduzir os impactos económicos da pandemia. O valor, disponível através de “financiamento directo, linhas de crédito, garantias, trocas cambiais" e outras modalidades financeiras, servirá para "apoiar os bancos centrais dos países-membros, e outras instituições financeiras, a cumprir pagamentos de dívida e a evitar incumprimentos financeiros, estando também disponível para apoiar e estabilizar os recursos cambiais dos bancos centrais, financiando as importações fundamentais em condições de emergência".
Um relatório recente do sul-africano Standard Bank sobre a economia africana refere que "um grande número de moedas (…) já se depreciou mais de 3% no último mês, e a curto prazo algumas devem depreciar-se ainda mais".
Para este cenário contribui uma combinação de factores que o tornam uma tempestade perfeita: diminuição drástica do comércio internacional, quebra no turismo, redução das remessas dos emigrantes da diáspora africana, disrupções económicas internas dos Estados, aumento das despesas públicas, perda ou retardamento de investimento estrangeiro, perdas nos sistemas financeiros e desemprego. Uma conjugação facilmente comparável à de uma economia de guerra e a que só falta a destruição das infra-estruturas. Que em alguns Estados africanos, envolvidos em conflitos armados, também se verifica, ao contrário de noutras zonas do globo. E agravada por um dos efeitos da diminuição do comércio: a queda de preços de commodities, como o petróleo, que em África assume especial importância porque algumas das principais economias do continente (Nigéria, Angola e Argélia, por exemplo) assentam nas suas receitas. O acordo recente entre a OPEP e aliados para reduzir a produção petrolífera a partir de 1 de Maio e a decisão de outros Estados produtores de cortarem igualmente a sua produção, contudo, pode suavizar este impacto. (JA)
Nota: O autor não segue as regras do novo acordo ortográfico