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In Memoriam Afonso Dlakhama, um homem sensato
Não tinha dotes oratórios, por vezes era mesmo tosca a sua linguagem, mas tinha um pensamento político estruturado e fino, apoiado num profundo conhecimento das realidades de Moçambique. Foi o que a atenção que durante anos a fio prestei à sua pessoa e à sua acção política, incluindo algumas conversas a sós, me permitiu ir concluindo.
Já a bonomia que dele constantemente irradiava, só interrompida em momentos graves como aqueles em que aparecia em público a queixar-se de “insuportáveis maldades” da Frelimo, essa era mesmo sinal de predicados inatos nele como o seu espírito de boa vontade, a sua moderação, mesmo até a sua crença na honestidade dos outros.
Não é possível compreender momentos-chave daquilo que foi a acção política de Afonso Dhlakama, praticamente resumida à sua longa liderança da Renamo, sem ter em conta qualidades como as que aqui ficam realçadas.
Quando na década de 1990 aceitou negociar um acordo de paz com o Governo apesar da situação de conforto militar tendencialmente crescente em que os balanços da guerra civil apresentavam a Renamo.
Quando em 1999 os seus ásperos protestos contra a manifesta fraude eleitoral praticada pelo regime (havia antecedentes de tal praxis), se ficaram por isso mesmo, protestos, não dando lugar a mais nada.
Quando em 2017 fazendo fé na seriedade de intenções que foi vendo em Filipe Nyusi, se comprometeu a regressar à via política e negocial em que em 2013 deixara de acreditar como forma de resolver diferendos com o regime que considerada injustos para a Renamo.
Afonso Dhlakama foi um homem determinado, mas ao mesmo tempo sensato e bom. Lutou por causas e ideais a que alguns ainda chamam nobres, como contra ditadura marxista-leninista implantada em Moçambique logo nos alvores da independência, mas não tirou disso mais vantagens do que assistir à chegada de um sistema democrático em que se integrou naturalmente.
Combateu politicamente obscuros aproveitamentos tirados dessa mesma democracia pelos seus adversários (fazer de eleições um expediente de sobrevivência no poder, não de alternância, o que é então?), mas não pretendeu mais do que vê-los corrigidos.
Recorreu a vias mais draconianas de pressão quando viu nelas a capacidade que já faltava à luta política como meio para levar o regime a reconsiderar a forma parcial e injusta como no seu entender vinha aplicando o acordo de paz de 1994, mas parou quando voltou a ganhar confiança política no regime.
É uma incógnita o que virá depois de Afonso Dhlakama. A única certeza é que se há-de concluir que fará falta a Moçambique um líder político com o sentido de equilíbrio tão presente na sua vida.