Africa Monitor

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Navios de pavilhão português atacados no Golfo da Guiné

Navios de pavilhão português atacados no Golfo da Guiné

No Golfo da Guiné registaram-se em 2019 quase 34% dos casos de pirataria marítima à escala global

 

Com o êxito da fiscalização na Somália, o Golfo da Guiné tornou-se o principal centro de pirataria marítima do mundo. Agora, o petróleo foi substituído por tripulantes de navios como principal fonte de resgates e, recentemente, dois navios de pavilhão português foram atacados.

Nos últimos dois meses, pelo menos dois navios de bandeira portuguesa foram atacados por piratas no Golfo da Guiné. O primeiro foi o porta-contentores «MSC Talia F», de 957 TEU (Tweenty-foot Equivalent Unit), em 22 de Março, a 55 milhas da costa do Gabão, e o segundo foi outro porta-contentores, o «Tommi Ritscher», de 4.785 TEU, em 19 de Abril, a 2,2 milhas de Cotonu, capital do Benim. Nenhum tinha tripulantes portugueses.

Mas segundo fonte oficial portuguesa, em 5 de Maio, oito tripulantes do «Tommi Ritscher» permaneciam desaparecidos, eventualmente como reféns dos atacantes. Já os sete tripulantes raptados do «MSC Talia F» estavam sãos e salvos nessa data.

Estes são apenas dois casos ilustrativos de uma realidade confirmada pelo International Maritime Bureau (IMB), um departamento da Câmara de Comércio Internacional especializado no combate aos crimes relacionados com o transporte marítimo, segundo o qual o Golfo da Guiné permanece a principal zona do mundo alvo de pirataria marítima. São quase seis mil quilómetros que incluem a Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria, Camarões, Guiné Equatorial, Gabão e São Tomé Príncipe, e que nos últimos anos sucederam à costa da Somália e ao Golfo de Áden como as zonas mais perigosas do globo para se navegar.

Em 2019, foi ali que se registaram 90% (121) dos sequestros de tripulantes em todo o mundo, um aumento superior a 50% face a 2018, segundo o relatório anual do IMB sobre pirataria marítima. Só no Golfo da Guiné registaram-se 33,95% dos casos de pirataria marítima à escala global e 71,88% dos incidentes de toda a África.

O país mais atingido foi a Nigéria, onde ocorreram 35 casos, seguido dos Camarões (6), Gana, Togo e Benim (3 cada um), Guiné Equatorial (2), Costa do Marfim, Gabão e São Tomé e Príncipe (um cada). Já no 1º trimestre deste ano, segundo o IMB, ocorreram 21 incidentes nesta região, 11 dos quais na Nigéria. Em 12 casos, os navios estavam a cerca de 70 milhas náuticas da costa. Em geral, todos os tipos de navios são alvo destes ataques, onde o armamento mais usado pelos piratas são as armas de fogo.

Na outra zona perigosa do continente, as águas da Somália e do Golfo de Áden, não houve casos, tal como não houve durante todo o ano de 2019.

A elevada percentagem de raptos de tripulantes é explicada, por um lado, por os piratas que operam na região não disporem de portos seguros ou outros locais onde possam manter os navios e os seus conteúdos, mas também pela queda dos preços do petróleo. Este já foi o principal atractivo para os atacantes, mas agora os reféns tornaram-se um activo mais valioso.

A Nigéria, prejudicada pela falta de recursos, é incapaz de patrulhar eficazmente as suas águas, carecendo igualmente de capacidade aérea para o efeito. O fenómeno agrava-se com a proibição legal de uso de seguranças privados a bordo de navios em águas nigerianas e com a dificuldade de Lagos em aceitar uma missão naval internacional nas suas águas, que terá produzido bons resultados na Somália e no Golfo de Áden. Ao Deutsche Welle, o capitão-de-fragata Wolf Kinzel, especialista em segurança marítima na Fundação Ciência e Política da Alemanha, admitiu que a falta de cooperação entre os países do Golfo da Guiné impede acções concertadas contra a pirataria marítima.

O exemplo da Somália e do Golfo de Áden é por vezes citado como modelo a seguir. Ou não fosse por ali que circulasse a maioria do comércio euro-asiático, incluindo importantes recursos energéticos. Essencialmente a partir de 2008, primeiro a NATO e depois a União Europeia (Operação Atalanta) e a China (mais de 100 navios para escoltar cerca de 7 mil navios chineses e não só, segundo alguma imprensa) mobilizaram esforços para garantir a segurança marítima na região. Resultado: em 2019 e no 1º trimestre deste ano não há registo de incidentes naquela região.

Segundo o IMB, porém, África registou também casos de pirataria marítima fora destas duas regiões. Em 2019, houve registo de casos na Argélia (1), Marrocos (2), Moçambique (2), República Democrática do Congo (1), Guiné (2), Quénia (1), Libéria (2) e Congo (3). No 1º trimestre deste ano foram registados casos em Angola (3) e Moçambique (1). (JA)


Nota: O autor não escreve segundo as regras do novo acordo ortográfico