Análise
Angola e as Investigações Judiciais em Portugal e Espanha: Dois Pesos, Duas Medidas?
por: Eugénio Costa Almeida*
Segundo o jornal espanhol El Mundo, uma empresa pública espanhola, Mercasa, terá feito um donativo de mais de 10 milhões de euros à Fundação do ex-presidente de Angola, José Eduardo dos Santos - a FESA. Curiosamente, a investigação da Fiscalía Anticorrupción e a Audiencia Nacional, no âmbito da «operación Trajano», identificou ainda o pagamento de comissões a um outro digníssimo representante da CPLP, do agora detentor da mais da longa presidência em África, Teodoro Obiang, presidente da Guiné-Equatorial.
A comissão alegadamente paga por Mientras à FESA, então presidente da Mercasa, terá sido de 2% sobre um valor, que rondaria os 533 milhões de euros, devidos por um concurso, em que a Mercasa, entrou para a construção de um mercado abastecedor, em Luanda. Ora, segundo os advogados da empresa sob investigação judicial, não terá sido pago tanto dinheiro, dado que parte do contrato terá sido cancelado; ainda assim, e segundo as autoridades espanholas, mesmo num cenário mais modesto, a comissão nunca poderá ter sido inferior a 6 milhões de euros.
Ressalve-se que a FESA, no seu direito de defesa, já afirmou que nada do que está a ser ventilado será verdade. Segundo a FESA, nunca lhe foram pagos 10 milhões de euros, e as noticias são “falsas e difamatórias”». Os advogados da Mercasa também o confirmam; só uma porção, porque parte do contrato terá sido anulado.
Toda esta trama de alegada corrupção, julgada como tal, surge numa altura em que o Presidente João Lourenço promete, nos seus discursos - quer no de tomada de posse, quer no do Estado da Nação, quer no primeiro pela Dipanda -promover, entre outros objectivos, o combate ao crime económico e à corrupção.
Ora como esta matéria parece enquadrar-se num claro caso de “corrupção”, será que João Lourenço terá capacidade para levar a tribunal, caso se comprovem as acusações aos dignitários angolanos? Ainda que, ressalve-se, o objecto de acusação é a fundação e não o antigo Presidente, que está protegido, em qualquer dos casos, por inimputabilidade jurídica...
Perguntas que só o tempo e o desenrolar do processo poderão responder. Ainda assim, o Presidente João Lourenço poderá começar a preparar o seu dossiê para responder a esta questão pertinente: como irá proceder, caso se comprove que houve clara corrupção e delapidação de fundos públicos nacionais. Pagamento de “luvas” ou “comissões” são fundos que não só não entram no erário público, como podem facilitar entrega de projectos onerosos para o País...
Ainda assim, não deixa de ser interessante que esta matéria, além do natural desmentido da FESA, pouco parece ter tido algum impacto – pelo menos visível – nas relações de Angola com a Espanha. Nem do topo, nem, como habitualmente acontece – ou acontecia – por parte dos órgãos oficiosos do Governo de Luanda. Tudo calmo, tudo em “mar flat”.
O mesmo parece continuar a não acontecer nas relações com Portugal em matéria semelhante. Com a diferença de que entre os visados está o anterior vice-Presidente, esquecendo uma das partes – ou as duas – que o motivo que levou Manuel Vicente, inimputável de acordo com a Constituição da República de Angola, a ser visado como estando sob alçada da Justiça portuguesa aconteceu - ou terá acontecido - porque nunca permitiu que a situação fosse clarificada, por se recusar a responder às questões colocadas (ou que terão sido colocadas) na(s) carta(s) rogatória(s) enviadas à procuradoria-geral de Angola – enquanto era alto funcionário de uma empresa angolana de capital público.
O assunto enquadra-se, também, na esfera da corrupção e presumivelmente com fundos nacionais.
Dai que seja pertinente questionar o porquê das duas formas de actuação?
Será porque, no caso espanhol, provavelmente (e mais que certo), o assunto foi tratado com discrição no seio da Justiça e, natural e presumivelmente, com o apoio discreto do Ministério das Relações Exteriores dos dois países, só vindo a público quando a Audiencia Nacional (equivalente ao Supremo Tribunal de Justiça), apresentou oficialmente o caso, chegando depois à comunicação social?
Pelo contrário, no caso português, enquanto estão a decorrer as investigações, o assunto é tratado por um Tribunal “inferior”. Não teria sido mais avisado que o Tribunal tivesse solicitado a intervenção do Ministério da Justiça, junto do seu homólogo angolano e, em último caso, uma discreta intervenção dos ministérios das relações exteriores dos dois países (MNE, no caso português, e MIREX, no caso angolano)?
Nas atribuladas relações entre Portugal e Angola, fica frequentemente a sensação de que o primeiro país se considera "paternal" e outro "filho rebelde", embora voltem sempre aos braços um do outro. Mas pode chegar o dia que um (ou ambos) se cansem e se virem para outros “amigos”…
*Investigador do Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL)