Acesso Livre
Difícil "Virar de Página" nas Relações União Europeia-África
por Natasha Lubaszewski *
Coletivamente, os países europeus continuam a ser o principal parceiro comercial do continente africano, a principal fonte de receitas e o maior doador em assistência humanitária e económica. Esperava-se um novo impulso na relação bilateral, com a 5ª Cimeira entre a União Européia e a União Africana, 29 e 30 de Novembro em Abidjan, Costa do Marfim. Contudo, durante as discussões, envolvendo cerca de 80 chefes de Estado e de Governo, acabaram por vir ao de cima novos e velhos constrangimentos.
Na cimeira, renovou-se o compromisso firmado em Setembro de 2016 com o Fundo Europeu para o Desenvolvimento Sustentável, que, de acordo com Henrique Burnay, da consultora EUpportunity, seria um “Plano Juncker” para África e outras partes do mundo. Este fundo é o cerne do Plano de Investimento Externo, que prevê um investimento de 3,4 mil milhões de euros em África, além de ter potencial para alavancar investimentos privados na ordem dos 44 mil milhões de euros em cinco áreas consideradas prioritárias: energia sustentável, conetividade, agricultura sustentável, cidades sustentáveis e desenvolvimento digital.
Em declarações ao Africamonitor.net, Burnay identifica vários constrangimentos a serem superados nas relações: “por um lado, o Continente está longe de ser um abrigo das Democracias. Pelo contrário. De igual modo, há muitos países onde a má governação convidaria a repensar um modelo de cooperação em que se confia na boa gestão dos recursos. A ideia da co-propriedade não pode significar desresponsabilização por parte de quem pretende apoiar o desenvolvimento".
O papel das empresas, de um lado e de outro, "é ainda, menor do que será necessário para que se crie e partilhe riqueza. E há, finalmente, que tratar das questões das imigração com responsabilidade e seriedade. Ou seja, é preferível uma resposta curta mas efectiva do que uma promessa de soluções globais que nunca chegam. O realismo é um melhor caminho”, adianta.
Para Burnay, “a fase mais importante para as empresas europeias é aquela em que se definem orçamentos, prioridades e formas de utilização dessas verbas. Importa que as empresas, em particular as nossas, estejam atentas e falem com os governos de ambos os lados.”
A cimeira de Abidjan foi a primeira entre os dois blocos realizada na África subsaariana. Marcou dez anos de parceria entre os dois blocos e foi presidida por Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, e Alpha Condé, presidente da União Africana.
Tendo em conta a necessidade de revisão dos objetivos da cooperação e as novas prioridades que emergiram nas relações, esperava-se um novo impulso no relacionamento entre os dois blocos a partir das discussões na cimeira deste ano, com o tema “Investir na Juventude para um futuro sustentável”.
O ponto de partida foi a vertente demográfica. Segundo as previsões, em 2050 a África terá uma população de mais de dois mil milhões de pessoas e mais da metade terá menos de 25 anos. A prioridade no discurso passou a ser a criação de empregos em África, com foco em educação (com programas do tipo Erasmus, por exemplo) e na melhoria de vida dos jovens, para solucionar problemas como a emigração em massa e o terrorismo, que acabam por afetar também o continente europeu.
Eugénio Almeida, investigador angolano do CEI-IUL, não acredita que algum dos constrangimentos existentes nas relações tenha sido resolvido nesta Cimeira, visto que um dos principais pontos de trabalho - a juventude - foi quase que todo substituído, em parte pela questão dos escravos na Líbia e em parte pela emigração africana para a Europa.
Almeida aponta que, para se investir de fato na juventude, é necessário que as seguintes questões deixem de ser problemas em e para a África: migração (interna e externa); pobreza; má-governação; negligência; e, principalmente, a má ou deficiente redistribuição da riqueza (quer por parte dos dirigentes africanos, quer pelos investidores estrangeiros em África). O que se viu na Cimeira foi, nesse sentido, uma reafirmação de discurso e a manutenção de tópicos há muito debatidos , sem resultado prático.
Almeida afirma ainda que o maior problema está na pouca redistribuição da Europa no desenvolvimento africano. “A matéria-prima africana continua a ser comprada - muitas vezes ou quase sempre - a preços inferiores aos que se verificam na Bolsa de Chicago de matérias-primas. O investimento europeu é quase todo em áreas de agricultura, mineração/petróleos e/ou de serviços que permitem o reenvio mais fácil de dividendos à origem (...). O fomento ou a manutenção de comissões absurdas e iníquas a dirigentes, alguns, líderes, africanos parece não os demover – continua a não permitir um claro desenvolvimento do continente e, com isso, manter a juventude no desenvolvimento dos nossos países devido à criação plena de emprego que não há.”, disse o investigador ao Africamonitor.net.
* A autora é mestranda em Estudos Africanos no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP)