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Fundamento “inválido” invocado pelo presidente guineense para demitir chefe do governo

Fundamento “inválido” invocado pelo presidente guineense para demitir chefe do governo

 
Um dos maiores constitucionalistas portugueses e perito nas constituições dos países de língua portuguesa, Pedro Bacelar de Vasconcelos defendeu que a decisão do presidente da Guiné-Bissau de demitir o governo, que resultou na atual crise política, “subverte” o modelo constitucional guineense, baseado no parlamentarismo. Hoje, explica que o fundamento invocado para a demissão é “inválido”.

A opinião consta da segunda parte de um artigo de opinião sobre “Constituições da CPLP”, publicado no Jornal de Notícias, do Porto, hoje inteiramente dedicada à Guiné-Bissau e outros exemplos de leis fundamentais. As “dificuldades de relacionamento institucional” entre presidente e governo, refere, “são inerentes ao normal funcionamento das instituições da República”.

“Não podia o presidente invocar como fundamento para demitir o governo a perturbação naturalmente induzida pelo exercício de `checks and balances´ (verificações e equilíbrios) que, justamente com essa finalidade, foram constitucionalmente prescritos”, afirma o constitucionalista.

No artigo Bacelar de Vasconcelos lembra que, à luz da Constituição guineense, não está entre as tarefas do presidente a fiscalização da constitucionalidade. Tem poderes de dissolução do Parlamento e de demissão do governo, mas apenas “em circunstâncias excecionais de crise política que afetem o normal funcionamento das instituições”.

Na lógica da Constituição guineense, presidente pode vetar leis, mas, se estas forem confirmadas por maioria qualificada dos deputados, é obrigado a promulga-las. A legitimidade política do governo deriva da responsabilidade perante o Parlamento, que aprova o programa e as leis, e não perante o presidente, refere o constitucionalista. O programa de governo tem de ser aprovado no Parlamento, que tem o poder de demitir o governo.

A
 figura do presidente na Constituição guineense “não foi talhada para governar”, adianta. Não pode nomear o primeiro-ministro de acordo com a sua vontade, mas sim com os resultados das eleições legislativas, depois de ouvir os partidos com assento parlamentar.

Sobre a atual crise, afirma que “o povo merece dos seus representantes legítimos um esforço sério de concertação e diálogo”.

Em anterior artigo, publicado na semana passada, Bacelar de Vasconcelos adianta que, enquanto Angola ou Moçambique optaram pelo presidencialismo, a Guiné-Bissau escolheu um modelo próximo do “parlamentarismo mitigado”, tal como Timor-Leste e Portugal.

A recente demissão “com base na violação de uma suposta relação de hierarquia e dependência funcional entre os dois órgãos, “subverte as diferenças essenciais entre os dois modelos e os caminhos diferentes por que visam prevenir o mesmo mal: o regresso da tirania”, escreve o constitucionalista.

Segundo o último Africa Monitor Intelligence, a crise aberta pela demissão parece estar agora a encaminhar-se para uma solução política.